por Meire Gomes

Ele tem 5 meses e um largo sorriso banguela, que faz com que seus olhinhos estreitos se fechem completamente. Não foi amamentado ao seio e é alimentado exclusivamente com leite artificial, preparado de maneira inadequada. Não recebeu nenhuma vacina, pois as atendentes do posto de saúde de sua cidade recusaram-se a imunizá-lo, apesar de ser um bebê saudável e ter um bom peso. É muito amado pelos pais, mas as tias têm por certo que ele é fruto de um pecado, um tipo de castigo. A mãe tem 21 anos e estava decidida a viver isolada com seu bebê, pois não sabia como lidar com a rejeição da família. Procurou um médico para conhecer mais sobre o seu filho. Ele respondeu: “com o tempo você vai percebendo o que ele é”. A mãe, orgulhosa, informa entre lágrimas e riso que ele está quase aprendendo a sentar.

De costas, acocorado ao chão e cabisbaixo, com cabelos brancos e rugas no pescoço, ele aparenta ter mais de 70 anos. Os chinelos de tira estão trocados, ele sempre os calça assim. Sua voz é arrastada e incompreensível; o olhar doce e infantil, permeado por rugas finas entrega sua verdadeira idade – mal chegou aos 50 anos. Viveu isolado da sociedade, em um cercado no quintal da casa de uma de suas irmãs. Permanecia por todo o dia no chão de terra batida, sob a sombra de um pé-de-acerola, muitas vezes sem roupas. Ali fazia as refeições e suas necessidades fisiológicas, até ser levado a um abrigo de idosos. Só agora, na casa dos 50 anos, experimenta o que é ser amado, o que é ser tratado com dignidade. Ele está aprendendo a dar “tchau”.

O bebê e o adulto são pessoas com  Síndrome de Down. Cada um em uma das pontas da vida, mas o presente de um pode vir a ser o futuro do outro, infelizmente. O cancro do preconceito permanece enraizado em nossa sociedade, mas não cabe aqui deliberarmos sobre suas razões (como se razões houvessem para justificá-lo), e sim estimularmos a divulgação de conhecimento. O Projeto Gama Down foi idealizado pela Associação Síndrome de Down do Rio Grande do Norte e encontra-se em fase final de elaboração. Eu tive a honra de ser convidada para organizar a Cartilha do projeto, que se encontra no prelo. Boa parte dos artigos está disponível aqui no Salada Médica, à direita da página. Visitem, divulguem. <http://saladamedica.wordpress.com/2009/07/15/num-mesmo-dia-duas-historias-apresentando-o-projeto-gama-down/>

Colaboraram para a Cartilha, até o momento:

Meire Gomes (RN), Sílvia Batistuzzo (RN), Gisele Santos de Oliveira (PR), Maria Ione Costa (RN), Stéfano Gonçalves Jorge (SP),  Dione Macedo Pinheiro de Brito (RN), Ricardo Fernando Arrais (RN), Cassandra Teixeira Valle Elias (RN) , Tábata Alcântara (RN), Isadora Pereira Queiroz e Silva (RN),  Pablo Albino Pereira (SC), Cácio Paiva (RN), Daniel Simões (RN), Luciana Queiroga e Silva Palácio Lima (RN), Tatiana Schefer (RN), Fábio Adiron (SP), Margarida Araújo Seabra de Moura (RN), Márcia Ortiz (RN), Eduardo Fabian Juarez (Argentina), Sandra Oliveira (RN), Maria da Penha de Souza (RN), Denise Oliveira Mendonça (RN).

Aos poucos postarei os outros textos. Assim que a cartilha estiver completa e atualizada, estudaremos uma forma de distribui-la.

Um abraço de urso, e minha grande gratidão a todos os colaboradores que com amor e carinho se dispuseram a doar uma parte do seu precioso tempo para nossa cartilha. Todas as pessoas com síndrome de Down certamente agradecem. Aproveito também para agradecer ao Dr. Zan Mustacchi, por ter me apoiado no início de meus estudos sobre a SD e pela delicadeza de me presentear com seu livro autografado.
Meire

Obs: Imagem capturada de http://www.downs-syndrome.org.uk/images/stories/page-headers/1.jpg