Rosangela Gera é uma reconhecida ativista dos direitos das pessoas com deficiência,
especialmente deificiência visual. Há anos vem lutando pela inclusão de sua
filha em escolas regulares, e, não sem ter que transpor muitas barreiras, vem conseguido abrir portas por onde passam sua filha, e muitos outros depois dela.

A última barreira colocada diante da educação de sua filha foi o acesso a livros
em formato Daisy. A Inclusive pediu a Rosangela que escrevesse um relato contando o caso:

“Prezados leitores , meu nome é Rosangela, sou mãe de uma garota de 12
anos que tem deficiencia visual , e por essa época, quando comecei a
pesquisar questões relacionadas a inclusão escolar, acessibilidade de
material didático, educação inclusiva, acompanhava os relatos de um
estudante universitário chamado Naziberto Lopes, lia o que ele
escrevia e intitulava de uma “saga pelo livro ” , aqueles textos me
deixavam perplexa e apreensiva, eu gostava de pensar que toda a luta
daquele rapaz levaria a uma mudança de postura da sociedade ,
particularmente do mercado editorial , que a educação inclusiva
avançaria para além das escolas e tomaria corpo .

E é extremamente vergonhoso, desonroso para todos nós que passado
tantos anos, eu que achava que aquela história jamais seria vivida
pela minha filha, me deparo com as mesmas dificuldades, mesmo diante
de toda tecnologia existente para que a sua leitura possa ser
acessivel, autônoma, eficaz , como a de qualquer outra aluna da sua
idade .

O mec compra livros das editoras através do PNLD, lança editais e diz
as editoras ” só compro os livros se atenderem a demanda de livros
para os alunos cegos das escolas públicas, providenciem os livros
DAISY ” . As editoras como estão diante de um cliente que compra muito
e paga bem , providenciam o livro não interessa quanto lhe custe, a
margem de lucro não deixa dúvida .

Por conta , disso uma das Fundações de quem as editoras terceriza esse
livro DAISY (cuja razão a própria editora não produz , é algo que
desconheço), a qual é a Fundação Dorina, bom, por conta dessa conta
paga pelas editoras a FDN( fundação dorina ) , esta possibilita a
alunos da rede privada , os livros sem custo algum . Este ano, ainda
por razões desconhecidas , o Mec não solicitou livros DAISY as
editoras, estas por sua vez não contrataram a FDN, a qual então não
poderá atender os alunos da rede privada que a procuram , repassando
então para esse público um orçamento que não é compativel com nenhuma
familia que tenha um filho cursando o EF2 . Na escola em que estudará
todo o material do ano impresso ficará 1200,00 para seus colegas ,
para a minha filha o material digital DAISY correspondente não terá
valor inferior a 7000,00 .

Na escola nova que escolhi para que ela estude em 2015 , eles
utilizam o sistema UNO, é uma metodologia criada pela editora Moderna
. As escolas que adotam esse sistema , utilizam exclusivamente o
material dessa editora . Expliquei a escola qual é a situação em que
me deparo para obter o material, disse a escola que sou parceira deles
e que entendo que é responsabilidade da editora fornecer o material
para a minha filha assim como fornecem para os demais alunos por
1200,00, quero pagar esse valor e ter o meu livro, só isso , agora
vejam o que anda acontecendo :

A coordenadora da escola me diz que a Editora Moderna que é a
idealizadora do sistema UNO lhe informou que nunca teve um usuário
com deficiência visual, ou nunca recebeu um pedido de livro Daisy , e
por isso não poderia me atender .
Para a editora é simples assim : “Diz pra aquela mãe que a gente nunca
teve um cliente cego no sistema uno, a gente não sabe ( ???!!!) o que
é livro DAISY e não podemos atendê-la .
A lei diz que é crime recusar matrícula , e o por que não é crime
vender para todos os alunos suas apostilas por 1200,00 e dizer para
mim: “toma o material em PDF e se vira porque a filha é tua .”
Lógico que quem deu essa informação está equivocada ou não pesquisou o
suficiente dentro da própria empresa. Porque a editora moderna é uma
das maiores clientes do governo e os centros de apoio pedagógicos
estão repletos de livros da editora Moderna no formato Daisy . Todos
os anos eles são encomendados às empresas que a editora terceiriza
para cumprir o que diz o edital do Mec .

Por que será que o mercado editorial trata com tamanha indiferença as
pessoas com deficiência visual ?

O ano passado a minha filha estudou com os livros em Daisy , quando
havia uma figura , ela era descrita, quando ela queria fazer uma
anotação , abria uma caixa, quando precisava voltar pagina, capitulo,
marcar parágrafo, era tudo feito com total autonomia, rapidez e
eficácia .

Este ano isso não acontecerá. Porque uma editora que fornece milhares
de livros para todos os alunos que utilizam exclusivamente os seus
livros em diversas escolas do país, como é o caso do Sistema Uno de
Ensino, metodologia criada pela Ed. Moderna, não pode conforme faz
para atender ao edital do MEC, solicitar que o livro dessa aluna seja
acessível ? Todos os alunos pagarão 1 200,00 reais pelo seu
material , o qual a editora imprime, encaderna e manda plastificado
para a escola . E isso não é discriminação ? Para a minha filha com
deficiencia visual a editora se nega, se nega a receber os meus 1
200,00 reais e me fornecer o material no formato em que minha filha
possa usá-lo ? Se nega a me atender com dignidade e me obriga a
escrever um e-mail como esse . Quando existe tecnologia conhecida,
disponivel, e inclusive utilizada pela propria editora para atender
aos citados editais .

Quanto tempo será que uma ação judicial me dará ganho de causa, não
quero danos morais , embora mereça porque enquanto estou aqui
escrevendo esse e-mail,estou privando a minha filha da minha
companhia, poderíamos estar conversando, compartilhando uma historia,
uma leitura, enfim, apenas desejaria que a editora me enviasse o livro
para que possa usá-lo como seus colegas , com conforto, autonomia e
rapidez. Ela é só uma garota de 12 anos do EF 2. Não gostaria de estar
nessa empresa ( Ed Moderna ) , de ter filhos na mesma idade, e negar
pedidos como esse e achar que trabalho dentro da ética e com
responsabilidade social .

E eu me pergunto por que tanta indiferença? Será que é só através de
processos judiciais que a gente pode mudar ? será que um pouco mais de
consciência cidadã, de respeito , de atenção as necessidades do
próximo, será que tudo isso não são valores a serem preservados ? Como
falar sobre cidadania com seus filhos , se no cargo da empresa em que
trabalha, não consegue perceber que por trás de um email como esse tem
uma família , um estudante ? Que não está pedindo favor, nem
privilégios, apenas que seja garantida a acessibilidade do seu livro
didático . Que país é esse ? Eu gostaria de saber .

Rosangela Gera , médica, Colatina ES”

Fonte: InclusiveLivros em pe em cima de uma mesa com um fone em volta deles.