Violência - Em fundo preto, impressão de palma da mão espalmada com tinta branca.

Por Rachel Duarte, no Sul 21

A alta taxa de morte entre jovens negros continua sendo um dos fatores mais preocupantes no Brasil. Mais de 70% dos homicídios registrados no país em 2010 foram de negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. A realidade foi diagnosticada em um Mapa da Violência lançado há dois anos pelo governo federal. Desde então, poucas ações para o enfrentamento desta realidade foram colocadas em prática. Por esta razão, a luta contra o extermínio de jovens negros é uma das principais bandeiras da Jornada Nacional de Lutas da Juventude Brasileira. A partir desta semana até o final de abril, mais de 30 movimentos sociais se unirão nas principais capitais para erguer as bandeiras contra o racismo e por mais emprego e educação para juventude.

O homicídio é a principal causa de morte entre jovens brasileiros de 15 a 29 anos. Além disso, os jovens mais afetados têm escolaridade baixa e não chegam a completar o ensino fundamental. A juventude negra é de longe a que mais sofre com esse massacre e a diferença tem aumentado em relação aos brancos. Ao mesmo tempo em que o número de homicídios de jovens brancos caiu 30% de 2002 a 2008, entre os negros subiu 13%. Disso resulta que, se em 2002, a probabilidade de um jovem negro morrer era 45% maior do que a de um branco, em 2008 esse índice atingiu assustadores 127%.

Ativista da luta contra a discriminação racial desde a juventude, a educadora Malu Viana integra hoje a Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop. Inserida em ações sociais nas periferias do Brasil, ela fala que as políticas públicas ainda não atingem a totalidade do problema. “O Mapa da Violência só reforça a realidade discriminatória que temos desde a década de 60. Evoluímos, mas neste sentido, ainda vivemos de ações pontuais. Policiamento Comunitário e UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) estão adiantando? Isso temos que nos perguntar. O centro nervoso do problema está na periferia. Lá parte dos jovens morre por R$ 20 reais e nem chegam a completar 20 anos de idade”, conta.

Na visão de Malu, a complexidade que leva a abreviação de milhares de vidas de apenas um segmento da sociedade precisa ser compreendida pelos governantes. “Temos uma Secretaria Nacional de Igualdade Racial e secretarias municipais, conselhos. As políticas afirmativas deveriam estar bombando. A diversidade da nossa juventude não é fácil atender: tem o jovem do reggae, do skate, do meio rural… Mas é uma preocupação que temos que ter porque o crime já está bem perto deles. Se o estado não chegar, esses jovens irão pelo caminho que se torna mais fácil”, diz.

O massacre de jovens negros resulta da conjunção de múltiplos fatores, desde a ausência de políticas públicas até o aumento do narcotráfico e do consumo de drogas, que aparecem como possibilidades de ascensão social ou de fuga dessa dura realidade, recrutando jovens e aumentando a criminalidade. “Se buscarmos as respostas concretas nos órgãos de segurança de estado, eles não as terão. Podem elencar algumas ações, mas ninguém sabe o que fazer. A situação é caótica nas periferias do Brasil inteiro”, diz Malu.

“Estamos em uma guerra civil”, afirma advogado do Movimento Negro Unificado

Movimento Educafro fez greve de fome em 2012 na frente do Palácio do Planalto, em Brasília | Foto: Antonio Cruz/ABr

Na avaliação do advogado e membro do Movimento Negro Unificado, Onir Araújo a situação é alarmante e não pode ser ignorada. “O racismo não é implícito, cordial ou tolerante como alguns acreditam. Os dados de homicídios de jovens negros confirmam o contrário. É uma guerra civil, de longos anos. E o estado é o responsável, seja pela sua omissão ou pela sua atuação”, acredita. O silêncio da mídia ou a ausência de campanhas de grande impacto sobre o tema também revelam uma face preocupante do racismo, na visão do advogado. “A hipocrisia da sociedade que é conivente com estes dados. Como um diagnóstico como este (Mapa da Violência) não gera um escândalo nacional ou ações contundentes? Estamos de um número de mortes por ano muito maior do que dos jovens que morreram na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria”, compara.

Ainda em 2012, o governo federal lançou o Plano de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra – Juventude Viva. Foi a primeira resposta articulada do governo federal a uma demanda histórica de denúncias dos movimentos sociais contra o genocídio desses jovens. Apesar de não ter altos índices de mortes de jovens negros, se comparado a outros estados do sudeste e nordeste do país, o Rio Grande do Sul está articulando a adesão no programa federal. “A partir de junho os estados poderão aderir. Por enquanto funciona apenas em Alagoas. Mas estamos trabalhando para incluir o RS. Será possível realizar mais oficinas para elevar a escolaridade dos jovens negros e gerar mais oportunidades de emprego”, explica a coordenadora de Igualdade Racial do RS, Sandra Maciel.

“Negros são mais abordados do que brancos pela polícia militar”, afirma coordenadora de Igualdade Racial do RS

Segundo ela, o racismo presente nas forças do estado precisa ser combatido prioritariamente. “Eles são mortos pela ação discriminatória do próprio estado. Os meninos negros são mais abordados do que brancos pela polícia. Os estados repressores matam nossos jovens”, fala. Segundo a coordenadora de Igualdade Racial do RS, além da violência institucional, a sentença de morte dos jovens negros já é assinada desde o nascimento. “Eles são marginalizados e excluídos na sua essência. São a parcela com menos oportunidades nas universidades, nos empregos, nas campanhas publicitárias. As oportunidades que restam são as ilegais, que têm os resultados imediatos que os jovens querem”, avalia.

Conforme o artigo 5º da Constituição Federal “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Se fosse respeitada, a legislação brasileira já poderia ser a bastante tempo uma forma de combate ao preconceito, acredita o advogado Onir Araújo. “Em dez anos foram mais de 350 mil homicídios. Isto é mais que 30 anos de guerra civil na Angola. E são mortes de uma parcela especifica da população. Isso significa que as medidas tomadas em nível federal, estadual e municipal não condizem com a gravidade da situação. Cumprir o previsto na Constituição já produziria efeitos na sociedade”, avalia.

“Enquanto a parcela negra da sociedade for encarada como ameaça em potencial para o sistema, a linha de extermínio continuará”, afirma Onir. Ele acredita que apenas com uma mudança radical do projeto econômico, social e cultural do país será possível mudar a lógica de exclusão e hegemonia de poder que oprime os negros brasileiros.

Além do extermínio de jovens negros, entre os consensos dos movimentos sociais na Jornada Nacional de Lutas da Juventude Brasileira estão a luta pelos 10% do PIB brasileiro na educação pública, reforma agrária, democratização da comunicação, reforma política e trabalho descente. Algumas questões regionais envolvendo transporte público e reajustes do valor da passagem também entrarão na pauta de reivindicações que será levada às ruas.

A principal marcha da Jornada de Lutas será no dia 3 de abril, em Brasília. Os movimentos pretendem ocupar a Esplanada dos Ministérios com mais de cinco mil pessoas. O objetivo é entregar à presidenta Dilma uma carta com as reivindicações da juventude brasileira. O mês de março é simbólico para o movimento estudantil devido à morte do estudante secundarista Edson Luís, baleado no peito por militares durante protesto no restaurante universitário Calabouço, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968. Edson reivindicava preços mais justos para a alimentação dos estudantes. A Jornada lembra ainda a data de nascimento (28 de março de 1947) de uma das principais lideranças estudantis da história brasileira; o ex-presidente da UNE, Honestino Guimarães, preso, torturado e assassinado pela ditadura militar no Rio de Janeiro. Honestino, com seus anseios em mudar o Brasil e o mundo, continua um símbolo vivo para diversas gerações.

Fonte: Sul21