Redução tímida nos índices de trabalho infantil no país revela falhas no combate à prática

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Por Patrícia Benvenuti
no Brasil de Fato

Em farois, carvoarias, casas de prostituição ou mesmo nos lares. Nesses e em muitos outros locais, milhões de crianças e adolescentes brasileiros continuam trabalhando, à mercê das leis de proteção, sem direito a brincar ou dedicar-se aos estudos. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2009, 4,3 milhões de crianças entre 5 e 17 anos exercem algum tipo de trabalho.

Dados do Censo 2010 divulgados em 12 de junho, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, apontam que, na última década, o número de trabalhadores na faixa etária de 10 a 17 anos caiu 13,44%, o que corresponde a cerca de 530 mil pessoas.

Os números são positivos, mas a situação atual está longe de merecer comemoração, como explica a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), Isa Oliveira. “Se você considera o tempo da pesquisa, dez anos, é uma redução pouco expressiva”, avalia.

“Houve uma redução do trabalho infantil, mas de fato o que se pretende não é que se reduza, é que seja eliminado”, enfatiza o juiz do trabalho e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luís Souto Maior.

Até os 14 anos, toda forma de trabalho é proibida no Brasil. De 14 a 16 anos, é permitida a aprendizagem, quando o jovem recebe uma formação específica, acompanhada por garantias trabalhistas e previdenciárias, como carteira assinada e salário-hora. Já entre 16 e 18, o adolescente pode trabalhar, desde que em local formal e protegido.

Se o Brasil mantiver o atual ritmo, a tendência é de que o país não alcance a meta da ONU para eliminar as Piores Formas de Trabalho Infantil até 2016. Definidas pela Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Piores Formas são caracterizadas por atividades ilícitas como conflitos armados, tráfico de drogas, exploração sexual, ou ainda ofícios que podem colocar em risco a vida da criança, como carvoarias, lixões, pesca de mariscos e até tarefas domésticas.

Apesar da redução nos índices de trabalho infantil entre 10 e 17 anos, Isa chama a atenção para o aumento de 1,56% entre 10 e 13 anos — faixa em que não é permitido trabalhar de forma alguma. “Crescer nessa faixa ou mesmo se estabilizar indica, de forma contundente, que as políticas públicas e os programas no Brasil não estão tendo a eficácia que deveriam ter”, afirma.

*Bolsa Família*

O Programa Bolsa Família é apontado como o principal exemplo dessa ineficácia. Em 2005, o programa federal foi integrado ao Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, sob argumento de que, juntas, as políticas reforçariam o combate ao trabalho infantil.

Dentre as exigências para a concessão da ajuda financeira está que os jovens estejam matriculados na escola e tenham uma frequência escolar mínima. Entretanto, para receber o auxílio, não é preciso comprovar que as crianças não trabalham. Com isso, muitos continuam com alguma ocupação ao mesmo tempo em que estudam — acumulando atividades e prejudicando seu desempenho escolar.

“Uma criança sem sucesso escolar é um candidato a ser o próximo desempregado, uma pessoa com trabalho precário ou vítima do trabalho forçado”, afirma o coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Renato Mendes.

Para assegurar a efetividade do Bolsa Família, as organizações que lutam pelo combate ao trabalho infantil defendem que a concessão do auxílio financeiro esteja vinculada à garantia de que as crianças parem de trabalhar. Junto com isso, as instituições de ensino devem oferecer atividades de esporte, cultura e lazer no contraturno escolar.

Em relação às famílias, é preciso investir em conscientização, mostrando a elas o prejuízo do trabalho infantil para seus filhos. Entretanto, alerta Isa Oliveira, medidas como essa não terão impacto se não forem acompanhadas por programas de geração de renda e qualificação profissional.

“É preciso que essa renda que a criança traz seja substituída por uma renda auferida pelos adultos da família”, diz.

*Responsabilização*

Na avaliação de Renato Mendes, além da implementação das políticas nacionais, os governos estaduais e, principalmente, municipais, precisam envolver-se mais no combate ao trabalho infantil. Para ele, cabe às prefeituras identificarem as crianças e adolescentes que trabalham em seus municípios. “Isso significa não esperar a denúncia. Não existe motivo ou desculpa para não ir atrás dessas crianças”, defende.

Souto Maior, por sua vez, não exime o Poder Judiciário de responsabilidade. Em caso de trabalho infantil, segundo ele, a Justiça do Trabalho costuma agir de duas formas. A primeira, determinar à criança o pagamento dos direitos trabalhistas, reconhecendo a existência do vínculo empregatício. A segunda, negar o pagamento de qualquer direito, reconhecendo que houve uma atividade proibida por lei.

“Acaba que o ilícito em si, da exploração do trabalho infantil, não tem uma repercussão específica. Economicamente, não representa nenhum risco para o explorador e, consequentemente, a situação persiste”, analisa.

O mais indicado nesses casos, de acordo com o juiz, seria a aplicação de multas de alto valor, que poderiam inibir a reprodução da prática.