Fita feita de quebra-cabeças coloridos - símbolo do autismo
Fita feita de quebra-cabeças coloridos - símbolo do autismo

O PL 1631/2011, que visa instituir a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista tem sido motivo de debate no movimento das pessoas com deficiência. De acordo com ativistas, apesar de trazer avanços, o Projeto de Lei tem sérios problemas, especialmente no que diz respeito à educação.

A Inclusive publica a seguir a opinião de Alexandre Mapurunga, Membro da ABRAÇA – Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo e da professora da UFRJ, Dra. Izabel Maior, ex-Secretária Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, e consultora na área.

ALEXANDRE MAPURUNGA

O PL trás muitos aspectos positivos dentre eles o seu Art. 1º, parágrafo 2º, que expressa que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”, o que garante segurança jurídica e torna mais claro que, no Brasil, as pessoas autistas são protegidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas comDeficiência (CDPD).
No seu  Art. 4º, o PL estabelece que “a pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência”, o que está em pleno acordo com uma série de artigos da CDPD, e vem a proibir e demanda o estabelecimento de punição, por exemplo para quem usar de tratamentos coercitivos ou relegar seus filhos à situação de abandono.  Também está expressa a garantia à saúde,  a uma série de tratamentos específicos etc.
O problema, que é grave, vem quando a matéria é Educação.  O texto do Art. 2º que estabelece as diretrizes da política, no seu item 4, deixa margem para exclusão escolar das pessoas com autismo.
“IV – a inclusão dos estudantes com transtorno do espectro autista nas classes comuns de ensino regular e a garantia de atendimento educacional especializado gratuito a esses educandos, quando apresentarem necessidades especiais e sempre que, em função de condições específicas, não for possível a sua inserção nas classes comuns de ensino regular, observado o disposto no Capítulo V (Da Educação Especial) do Título V da Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional;”
A primeira parte do texto vai bem , mas a segunda (em negrito) suscita uma série de questionamentos. Que condições específicas são essas, da escola ou da pessoa? Quem vai determiná-las? Vai ser necessário o “atestado de condições”?
A partir do modelo de deficiência e princípios trazidos pela CDPD, que no Brasil tem status constitucional, as condições e apoios devem ser oferecidos para garantir a participação. Isso é sustentado também na Carta de Salamanca e na Declaração de Montreal. A CDPD diz em seu Artigo 24, parágrafo 2, item b,  que o Estado deve assegurar que “as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência.” As medidas legislativas compõem as Obrigações Gerais com vistas ao cumprimento e implementação da Convenção.
Na Casa da Esperança  quase que diariamente orientamos pais e mães que encontram resistência para matricular e manter seus filhos na escola regular. Dizemos que a Lei garante esse direito, orientamos e damos as ferramentas para que as famílias busquem o direito de seus filhos, inclusive denunciado ao Ministério Público os casos de exclusão.
O texto como está fragiliza esse direito, pois traz um pretexto pra que autistas não sejam aceitos e pode ser uma barreira legal para o acesso das pessoas com autismo à educação.
Existe um movimento para garantir que esse PL seja aprovado sem alterações, o que seria bom em muitos aspectos, e garantiria que o projeto não volte para o Senado, o que retardaria sua aprovação. Muitos já comemoram a sinalização de Mara Gabrilli que sustentará o texto original.
Mas, sinto, não posso compartilhar desse entusiasmo e apoiar a aprovação de um projeto que pode redundar em tamanha violação de direitos.
E não se trata apenas de pesar os prós e contras,  não se pode permitir retrocessos nas garantias de direitos. O texto em vez de usados por pais, pode ser usado pelas escolas no sentido de garantir a exclusão. E em termos de Educação é um passo atrás na implementação da CDPD.
Espero que a Dep. Mara Gabrilli, relatora do projeto, assim como os pais, autistas e defensores da inclusão, possam refletir sobre as questões aqui levantas e realizar as mudanças necessárias no PL, mesmo que isso implique em mais tempo de discussão e tramitação.
Membro da ABRAÇA – Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo

DRA. IZABEL MAIOR

Nós entendemos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) foi superada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), portanto não pode ser apoio para o PL, no qual tanto o texto quanto o espírito tem de ser do novo comando constitucional trazido em 2008/2009.

Na prática, a legislação brasileira acolheu financiar o modelo híbrido por tempo indeterminado, que podemos chamar de transição. Mas sem a lei mandando incluir voltamos ao que era. Soluções parciais podem no máximo figurar em decretos – onde se pode mudar a medida da necessidade e obedecendo a lei.

Se o PL passar com a redação retrógrada vai ser um desserviço para as pessoas que se pretende promover e garantir direitos. Este PL é violação de direitos e o Protocolo Facultativo existe para coibir abusos.

A oposição de conceitos entre CDPD e a LDBEN é marcada e não é boa tecnica legislativa manter a redação do PL tal como está.

O parágrafo 1 da LDBEN tem revogação tácita frente ao Art.24, a e d principalmente. O parágrafo 2o., que é o trazido para o PL, fala de condições específicas dos alunos. Significa que o acesso e nao exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência, que é constitucional, será desrespeitado. Mais uma vez o erro ou inadaptação vai estar na pessoa, e o sistema de educação pode usar condicionantes para excluir quem necessitar de apoios.
Para mim não é questão de arranjo de palavras, é afronta ao que se tem a obrigação de vencer. A lei só pode beneficiar o mais fraco, mais vulnerável, e a CDPD é um comando de proteção de direitos.

No PL deve constar “IV – a inclusão dos estudantes com transtorno do espectro autista nas classes comuns de ensino regular e a garantia de atendimento educacional especializado gratuito a esses educandos.

LDBEN – CAPÍTULO V – DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para portadores de necessidades especiais.

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil

Art. 24 da CDPD

2.Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência;

b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem;

c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas;

d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;

Envie sua posição para a Deputada Mara Gabrilli, relatora do Projeto de Lei:

dep.maragabrilli@camara.gov.br

Fonte: Inclusive