Ano dos afrodescendentes. Em branco
Por Dojival Vieira
da Afropress
No Brasil, país com maior população negra do mundo fora da África, o ano Internacional dedicado aos Afrodescendentes declarado pela ONU por meio da Resolução 64/169, pode passar em branco, a julgar pela absoluta inércia tanto dos governos, quanto de um movimento social negro anêmico e atrelado a interesses partidários.
Até o momento (e já estamos na metade do mês de agosto), rigorosamente nada aconteceu, e a festa que se anuncia para novembro, em Salvador, será apenas isso: mais uma festa das muitas que órgãos oficiais e agregados promovem para repetir dados mais do que conhecidos e reiterados ano a ano; e fazer discursos sobre a desvantagem que atinge 50,7% da população brasileira, que é preta e parda, vale dizer, negra.
Da SEPPIR, o Ministério da Igualdade do Governo Federal, de quem se poderia esperar alguma iniciativa, alguma atitude, algum programa, nada se ouve, nada se vê. Não apenas neste caso, mas em tudo o mais.
A ministra Luiza Bairros cumpre, até aqui, agenda de presidente de ONG – que parece ser sua especialidade -, e não de uma ministra de Estado.
Acomodados os interesses dos grupos partidários na Esplanada, a sensação que se tem é de completa desconexão entre as demandas da maioria da população negra e a agenda da ministra.
A desconexão se torna mais óbvia quando se compara a desvantagem acumulada por quase 400 anos de escravismo e de mais 123 anos de racismo pós-abolição e a existência puramente simbólica de uma SEPPIR, com orçamento minguado e o que é pior: sem iniciativa, nem criatividade.
Na teoria, órgãos como a SEPPIR deveriam desenvolver políticas públicas para atender as demandas históricas da população negra brasileira. Na prática, servem apenas como álibi para que as elites governantes do país, finjam que incluíram o tema da igualdade em suas agendas, além, é claro, da acomodar interesses de grupos que ocupam os “puxadinhos” nos partidos.
O Estatuto da Igualdade Racial, sancionado há mais de um ano, permanece letra morta, “lei prá inglês ver”, como, na sua época, foram as Leis do Ventre Livre, dos Sexagenários e a própria Lei Áurea – sintetizada em dois artigos – sem qualquer sugestão do que ocorreria com os milhões de negros e negras que até o dia 13 de maio permaneciam nas senzalas.
O que aconteceu todos sabemos: trocou-se a senzala pela favela e reservou-se aos negros, o espaço da sub-moradia, do sub-emprego, da sub-cidadania.
O mais chocante é que aprovado graças a um acordo que o tornou palatável aos setores mais conservadores do Congresso Nacional, passado um ano da sanção solene pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva e nove meses desde que entrou em vigor no dia 20 de outubro do ano passado, a novidade anunciada pela ministra da igualdade Racial, foi a constituição de um Grupo de Trabalho, criado por Portaria para “assegurar a efetividade da Lei”.
O que teria pretendido dizer a ministra com a exotérica portaria “para assegurar a efetividade da Lei que criou o Estatuto”, não se tem a menor idéia; é mais um mistério de Brasilia. O Grupo – cujos componentes não foram divulgados – tem 120 dias para avaliar as normas e propor medidas necessárias à sua efetividade, além de identificar as ações que demandam a regulamentação e apresentar proposta de parceria com as áreas temáticas responsáveis, e propor ações de articulação institucional e interministerial para implementação da Lei, de acordo com release distribuído pela assessoria da ministra.
Quanto a festa de Salvador, já tem data marcada: será nos dias 18 e 19 de novembro – véspera do Dia Nacional da Consciência Negra -, quando acontecerá o encontro de países íbero-americanos para comemorar o Ano Internacional dos Afrodescendentes.
Terminada a festa, o ano também estará terminado. E tudo continuará como “d’antes no quartel de Abrantes”. Como tem acontecido, aliás, desde sempre.
Fonte: Afropress
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