Por Lucio Carvalho

Pelo menos idealmente, poucas pessoas discordariam do que preservar nas crises, nas situações críticas, sejam elas políticas ou econômicas – ou em uma combinação de ambas. Além de satisfazerem-se as necessidades básicas, elementares, socialmente parece um consenso em qualquer nação de que o cuidado com a saúde e educação seriam prioridades. Para a filósofa alemã Hannah Arendt, por exemplo, a educação deveria inclusive ser separada das outras funções e domínios da vida pública, tal sua relevância para a sanidade do tecido social e do espaço público.

Lápis de Cor

Este não parece ser, infelizmente, o tipo de cuidado que as autoridades e classe política brasileiras destinam ao assunto. Não raro é sobre os recursos que deveriam destinar-se à educação que por aqui ocorrem cortes orçamentários e um descontrole inexplicável de gastos, malversações de toda a ordem e falhas incontornáveis de fiscalização e controle social. Em se tratando de um bem social, é incompreensível que a sociedade se satisfaça com tão poucos e precários indicadores e que o destino dos recursos advindos da própria sociedade simplesmente seja escoar através do ralo da má gestão pública, ano a ano, mês a mês, dia a dia.

Embora constantemente denunciada, a “crise na educação” muitas vezes parece mais devida ao desinteresse público e político em efetivá-la como direito real e palpável do que exatamente por uma carência de recursos. O exame da execução orçamentária federal e as muitas emendas e alocações extemporâneas devem bastar para demonstrar como a parábola do bolo da galinha ruiva não se aplica no caso. Convidados de última hora e intrometidos costumam bicar avidamente o orçamento público em função de interesses eleitorais e outros ainda menos nobres.

Sob essa perspectiva, é mesmo muito complexo acreditar-se nas muitas promessas de “viradas educacionais” sem muito realismo que devem pipocar nas campanhas eleitorais para as próximas eleições de outubro. Entretanto é inadmissível que candidatos a cargos públicos alcem-se publicamente sem projetos consistentes e realistas para reverter a situação que vividamente é percebida em sua tragicidade pela sociedade e principalmente pelas pessoas que têm nos serviços públicos sua única possibilidade de acesso aos direitos sociais.

Portanto é apesar da flagrante deterioração dos equipamentos públicos educacionais e de uma imprescindível honestidade ao tratar-se das possibilidades concretas do que existe e do que pode efetivamente ser realizado que se deve partir. Em outras eleições, em momentos em que a crise econômica não se encontrava tutelando as crises paralelas e consequentes, muito deixou de ser feito mesmo em vista de um melhor cenário. Do ponto de vista do interesse público, é nas escolas públicas municipais e estaduais onde as pessoas irão buscar acolhimento e, portanto, desviar a atenção para campanhas nacionais ou milagreiras dificilmente ainda convencerá a alguém. O mínimo de decência que a população espera – e é seu direito encontrar – são escolas equipadas a cumprir sua função educacional. Nesse terreno, como professores e discentes sabem muito bem, slogans pouco importam. O que vale mesmo é um espaço seguro e saudável de desenvolvimento humano.

A esse ponto, também parece que já se está a falar em utopias. Sim, mas onde senão na escola será possível restaurar minimamente condições toleráveis (nem vamos usar desejáveis) para se concretizar o processo educacional e de convívio civilizado? De qualquer modo, a qualquer custo, é preciso que seja possível estabilizar a vida social e suas violências e desigualdades a partir da escola, da educação.

Mesmo em se tratando de uma sociedade com ambições sonegadas e na qual sequer as pessoas estejam conseguindo dialogar com civilidade, somente através da generalização de uma qualidade mínima de atenção e recursos se tornará viável recuperar os laços de uma esfera pública, isto é, não há outro caminho para sair da crise se não for através da educação de qualidade para todos.