Mão feminina segurando carteira de trabalho
Mão feminina segurando carteira de trabalho

Supervisores da Lei de Cotas no Trabalho para pessoas com deficiência, auditores fiscais, coordenadores e integrantes do Projeto de Inserção das

Pessoas com Deficiência e Reabilitadas Estaduais e Nacional apresentaram esclarecimentos e motivos para barrar a continuidade da proposta de mini-reforma reforma

trabalhista (PL 6787/16) que corre à toque de caixa no Congresso Nacional. Segundo os  especialistas, caso seja aprovada, a reforma praticamente acabará a obrigação

das empresas em contratar trabalhadores com deficiência.

 

O texto foi assinado eletronicamente e individualmente, e os organizadores convidam demais colegas que quiserem a também assiná-lo e divulgá-lo.

 

Considerações sobre a Reforma Trabalhista e a Lei de Cotas

 

Na introdução do Relatório sobre o projeto de reforma trabalhista (PL

6787/16), o Deputado Rogério Marinho afirma que “na busca de um resultado o mais

amplo e democrático possível, decidimos ouvir todas as partes envolvidas”. No

entanto, quando relaciona os eventos e seus participantes não se encontra qualquer

menção a representação do segmento das pessoas com deficiência. Desconsidera o

principal e fundamental lema das pessoas com deficiência “nada sobre nós sem nós”.

De fato, como mencionado expressamente pelo Relator ao tentar justificar as

alterações da Lei Cotas, as modificações propostas visam exclusivamente atender aos

empregadores que teriam relatado “dificuldades de determinados segmentos

empresariais em cumprir a norma relativa à contratação de um percentual de pessoas

com deficiência”.

Nós, Auditores-Fiscais do Trabalho, constatamos diuturnamente a

contrariedade do empresariado com a Lei de Cotas e com a efetivação dos dispositivos

constitucionais que dispõem sobre a função social da propriedade na valorização do

trabalho humano, na colaboração para a redução das desigualdades sociais e busca do

pleno emprego.

A Lei de Cotas tem sido responsável pela presença crescente das pessoas com

deficiência e reabilitadas no mercado de trabalho. Em 2010 havia 306.013 pessoas

com deficiência e reabilitadas com vínculo formal de emprego em nosso País e, em

2015, esse contingente foi para 403.255.

O crescimento do emprego de pessoas com deficiência tem se dado em

percentuais significativamente maiores que o da população em geral, o que evidencia

a importância da Lei de Cotas.

Dados do Ministério do Trabalho revelam que 92% do total de

reabilitados/pessoas com deficiência que estão no mercado formal de trabalho estão

empregados em empresas obrigadas a cumprir a Lei de Cotas. Se essa política

afirmativa não existisse, certamente os números seriam significativamente menores.

 

Efetivamente o que o substitutivo propõe é tornar inócua a Lei de Cotas

 

Da Exclusão da base de cálculo das funções “incompatíveis com os

beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência”

 

A experiência da Auditoria Fiscal na inclusão de pessoas com deficiência e

reabilitadas demonstra que não há funções incompatíveis com esse segmento. Os

dados do Ministério do Trabalho, baseados em informações dadas pelas empresas

através da RAIS – Relação Anual de Informações Sociais – revelam a presença desses

trabalhadores em todos os segmentos empresariais e ocupações profissionais

existentes.

Se fossem oferecidas as adaptações necessárias, com fornecimento de

acessibilidade, as pessoas com deficiência, independentemente de seus

impedimentos, comprovariam possuir as habilidades exigidas pelas empresas para o

desempenho das atividades.

Aliás, as Paralimpíadas Rio 2016 demonstraram que não é a deficiência que

incapacita, sim o ambiente e os estereótipos. Durante o evento foi possível assistir

atletas praticando o esporte de todas as maneiras possíveis e nunca imaginadas:

usando as mãos, os cotovelos, o peito, o queixo, a cabeça ou até mesmo os sentidos.

Diante disso, cabe indagar quais os critérios a serem adotados nas negociações

ou acordos coletivos para definir quais seriam as funções incompatíveis.

A propósito, cabe esclarecer que o Sindicato de Empregados tem sua

representatividade restrita aos trabalhadores com deficiência e reabilitados que já

estão inseridos no mercado de trabalho. Não representam, contudo, aquelas pessoas

que ainda estão excluídas do exercício do direito do trabalho. Aliás, essa é a razão de

ser dessa Ação Afirmativa, permitir o acesso ao trabalho daquelas pessoas que, em

razão de seus impedimentos, estigmas e ausência de acessibilidade tem imensas

dificuldades de obter e se manter no emprego. Portanto, falta aos Sindicatos

legitimidade por decidir sobre o conjunto das pessoas com deficiência. Nesse contexto,

corre-se o risco de que a flexibilização da Lei de Cotas se transforme numa simples

moeda de troca oferecida e pautada pela representação empresarial.

Igualmente não poderá o Ministério do Trabalho decretar quais seriam as

funções incompatíveis, já que as estatísticas do mundo do trabalho que detém

demonstram justamente o contrário. Ou seja, há milhares de trabalhadores com

deficiência e reabilitados em todos os segmentos econômicos e ocupações

profissionais existentes no mercado de trabalho.

De outra sorte, nem as negociações coletivas e, tampouco, o Ministério do

Trabalho podem dispor contrariamente à Constituição e a Convenção sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência da ONU, inserida no sistema jurídico brasileiro com status

de emenda constitucional. Segundo os ditames constitucionais, a pessoa com

deficiência tem direito ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais

pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um

trabalho de sua livre escolha.

Assim sendo, a proposta do substitutivo de exclusão de funções da incidência

da Lei de Cotas é no nosso entender inconstitucional por ferir o direito da pessoa

com deficiência em escolher seu trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho, analisando o Sistema de Cotas em

vários países, mostra que em alguns deles a inclusão fracassou, justamente em razão

de isenções concedidas pelos governos para a sua aplicação, muitas vezes sem

justificativa de motivos relevantes 1 .

Cabe indagar, ainda, o que acontecerá com os milhares de pessoas com

deficiência e reabilitadas que hoje trabalham nos segmentos e funções que vierem a

ser considerados incompatíveis. Irão certamente engrossar as fileiras dos

desempregados, da assistência social para encaminhamento de pedidos de

Benefícios da Prestação Continuada, ou, aqueles em processo de reabilitação serão

 

conduzidos, precocemente, para aposentadorias por invalidez em razão da ausência

de oportunidades de trabalho.

 

ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE MULTA PELO PRAZO MÁXIMO DE 3 ANOS

Outra medida que visa, de fato, tornar inócua a Lei de Cotas é a de isentar as

empresas do pagamento de multas. Ora, essa Lei está prestes a completar 26 anos de

vigência em nosso país.

As empresas tiveram inúmeras oportunidades, nesse largo período, para se

adequar à imposição da lei. Observa-se, no entanto, que esperam a provocação do

Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho para iniciarem as

contratações de empregados com deficiência e reabilitados.

 

COMPROVAÇÃO DE TODOS OS MEIOS POSSÍVEIS PARA CONTRATAÇÃO

As hipóteses elencadas no Substitutivo que justificariam a isenção de

pagamento de multas são: comprovem ter utilizado todos os meios possíveis para

contratação, incluindo o contato com programas oficiais de colocação de mão de obra,

sites e organizações não governamentais que atuem na causa da pessoa com

deficiência e a oferta da vaga por meio de publicações em veículos de mídia local e

regional de grande circulação.

Em relação a possíveis divulgações de vagas cabe ressaltar que os anúncios

provam apenas que as vagas foram divulgadas, não a ausência de candidatos, já que

não se pode aferir essa situação e tampouco se os profissionais que se apresentaram

não foram selecionados em razão de restrições e discriminações impostas no

processo seletivo.

Na realidade o que se observa é que as empresas não estão dotadas de

acessibilidade. Tal fato conduz a busca de candidatos com deficiência com limitações

leves, justamente para não promoverem as adaptações de seus espaços,

procedimentos, metodologia e técnicas, bem como da própria organização do

trabalho. Grande parte das pessoas com deficiência e reabilitadas, no entanto, não se

encaixa nos perfis comumente requeridos pelo universo corporativo e encontram-se à

margem do mundo do trabalho.

São comuns anúncios de emprego e processos seletivos restringindo as vagas

para um determinado grau e tipo de deficiência. Já se tornou um bordão entre as

pessoas com deficiência de que na realidade as empresas buscam "cegos que

enxergam, usuários de cadeiras de rodas que andam, surdos que ouvem, pessoas com

deficiência intelectual e mental sem impedimentos de natureza cognitiva ou

psicossocial".

A Auditoria Fiscal do Trabalho tem mostrado reiteradamente que o não

preenchimento das vagas não se deve a falta de candidatos com deficiência e, sim, às

exigências das empresas. O perfil das vagas disponibilizadas é altamente excludente e

focado apenas nas deficiências leves.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As empresas, que sempre se rebelaram contra a imposição da Lei Cotas e

tentaram por diversos modos desconstituí-la nos últimos anos, encontraram no

substitutivo uma forma de inviabilizá-la sem debates públicos.

A flexibilização proposta pelo Substitutivo esvaziará a Lei de Cotas, tanto em

sua abrangência como no seu poder impositivo. Além de aumentar o desemprego das

pessoas com deficiência que se encontram hoje no mercado formal, impedirá o

acesso ao emprego de um número expressivo de pessoas, especialmente as com

deficiências mais severas, excluídas do mercado de trabalho a espera de exercer um

dos mais importantes direitos de cidadania: o do trabalho.

Ressalte-se que o substitutivo também inviabilizará o trânsito daquelas

pessoas com deficiência mais pobres, beneficiárias do BPC, para o mundo do

trabalho e que, por consequência, deixam de receber o LOAS depois de se

qualificarem, por meio da aprendizagem profissional. Ou seja, no lugar de diminuir

os custos com o pagamento do BPC, os cofres públicos terão que arcar com o

ingresso de milhares de novos beneficiários, que não terão outra estratégia de

sobrevivência diante do aumento do desemprego.

É incompreensível que, na mesma legislatura, o Congresso redator de uma

das mais avançadas legislações como o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei

Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), em menos de dois anos possa acolher essa

perversidade contra as pessoas com deficiência e reabilitadas.

 

Nós Auditores Fiscais, coordenadores e integrantes do Projeto de Inserção das

Pessoas com Deficiência e Reabilitadas Estaduais e Nacional, abaixo-assinados, não

podemos nos calar nesse momento!

 

Fernanda Maria Pessoa di Cavalcanti/ Responsável Nacional

Ana Maria Machado da Costa/ RS

Fernando Sampaio Cabral / PE

José Carlos do Carmo/SP

Lailah Vasconcelos de Oliveira Vilela/ MG

Leandro Andrade Carvalho/AL

Patricia Siqueira / MG

Rafael Faria Giguer/RS

Tatiana da Motta Sales Barreto/RJ

Tais Arruti Lyrio Lisboa/SIT

Valéria Félix Campos/MA

 

1 Lograr la igualdad de oportunidades en el empleo para las personas con discapacidad a través de la legislación: Directrices. OIT,  

25 de noviembre de 2014 http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/– -ed_emp/- —

ifp_skills/documents/publication/wcms_322694.pdf