Em guia lançado em parceria com ONG Ação Educativa, CNMP destaca ações necessárias para a implementação da Lei 10.639/2003 em escolas públicas e particulares

Por Gustavo Paiva
no Observatório da Educação

O Ministério Público e a igualdade étnico-racial na educação – guia de atuação ministerial

Em guia lançado no último dia 11 de julho, em São Paulo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a ONG Ação Educativa destacam a importância de escolas particulares também ensinarem história e cultura africana e afro-brasileira para seus alunos.

Os conteúdos foram tornados obrigatórios para a educação básica em escolas públicas e particulares pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008 – que também torna obrigatório o ensino de história e cultura indígenas. Contudo, segundo as organizações que produziram a publicação, ainda é comum encontrar escolas particulares que entendem não ser necessário cumprir a legislação pelo fato de seu alunado ser constituído predominantemente por pessoas brancas.

“Esse entendimento nem sempre é explicitado formalmente, mas opera nas dinâmicas escolares, traduzido na não incorporação ou na superficial abordagem das Diretrizes Curriculares Nacionais da LDB alterada pela Lei 10.639/2003 nos currículos escolares, muitas vezes, restrita a ações pontuais e/ou estereotipadas”, afirma a publicação.

Allyne Andrade, advogada e uma das autoras do material, destaca que tratar a temática em sala de aula não é opcional, uma vez que a Lei 10.639 incorpora o tema à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). “Você cumprir hoje ao marco legal da educação do país é implementar a educação das relações étnico-raciais, é implementar a educação indígena nas escolas. Não tem como fugir. Ele é um marco para as escolas públicas, mas também para as escolas privadas”, afirma.

Para o CNMP e a Ação Educativa, as escolas particulares que não trabalham estas temáticas estão violando o direito humano à educação de sua clientela a uma formação democrática e cidadã e que os prepare para reconhecerem as demais pessoas como sujeitos de direitos em uma sociedade multirracial.

“Quando a gente está falando do direito à diversidade étnico-racial, a gente está falando de um direito coletivo. Não é um direito só da população negra. É um direito de todos de conviver com esta diversidade. E isso traz riqueza de conhecimentos, traz riqueza de experiências, de vivências às pessoas. É um direito de todos, inclusive em escolas que só têm alunos brancos”, afirma a promotora Lívia Santana, do Ministério Público da Bahia.

O papel da Justiça

Denise Carreira, coordenadora da área de Educação da Ação Educativa e uma das autoras, afirma que o guia “O Ministério Público e a Igualdade Étnico-Racial na Educação” foi pensado para dar subsídios aos operadores do direito, em especial ao Ministério Público, para atuarem na garantia da implementação da Lei. Apesar disso, considera também ser uma boa leitura para profissionais da educação, já que apresenta um histórico sobre a legislação e diversas referências sobre relações raciais.

Para a promotora Lívia Santana, o cumprimento da Lei 10.639 esbarra, hoje, em três grandes desafios. “O primeiro grande desafio que eu enxergo é que existe uma resistência ideológica dos poderes públicos para implementar esta lei. Existe uma ideia de que o fator racial não é preponderante, mas sim meramente o fator socioeconômico. Se fosse assim, não teríamos, como dizem as pesquisas do Ipea, uma mulher negra ocupando o mesmo cargo, as mesmas funções, ganhando de 50 a 70% do que ganha um homem branco”, diz.

“Depois a gente passa para a baixa institucionalização da implementação continuada e do monitoramento desta lei. Não pode ser o compromisso de um promotor, mas do Ministério Público como um todo. O terceiro é o tempo: 13 anos é pouco frente a mais de 300 anos de escravidão”, finaliza.

Monitoramento

Para se monitorar a implementação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, a publicação propõe que sejam analisados cinco itens básicos, além dos específicos de cada região e contexto da escola ou rede de ensino. São eles: a política de formação para gestores e profissionais da educação, a política de material didático e paradidático sobre história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, a gestão democrática e a participação no cotidiano escolar, a política de avaliação e monitoramento e as condições institucionais das unidades de ensino.

“Estas políticas são um indicativo construído pelo campo de educação e pelo movimento negro de questões que devem ser observadas para que a legislação cumpra seu papel, de tornar o negro e o indígena sujeitos e não objetos da história brasileira”, explica Denise Carreira.