Um final feliz diante de vocês
A controvérsia em torno do filme “Como eu era antes de você” ainda pode ter um final feliz, se os produtores fizerem o mea culpa.
Por Patricia Almeida*
O que têm um filme blockbuster de Hollywood e o escândalo de um rapper emergente brasileiro em comum?
As pessoas envolvidas erraram e não admitiram o erro, nem pediram desculpas e tampouco prometeram que não repetiriam o erro.
Do alto de seus 19 anos, MC Biel era tido como uma promissora estrela musical, chegando a ser considerado o próximo Justin Bieber brasileiro. Outro dia, ao ser entrevistado, ele assediou sexualmente a repórter, dizendo coisas como “se eu te pego te quebro em duas”. A jornalista fez um boletim de ocorrência na delegacia de polícia e o áudio gravado do assédio veio a público. Em vez de pedir desculpas, o rapper, que se gabava de ter beijado 300 mulheres em uma semana, disse que estava apenas brincando. Só que, nas últimas semanas, as brasileiras fizeram uma grande campanha contra a cultura do estupro instalada no país, após o terrível estupro coletivo de uma menina de 16 anos de idade, no Rio de Janeiro. O protesto decolou nas mídias sociais e em poucos dias Biel teve participações na TV e campanhas publicitárias canceladas, sua canção foi cortada de uma novela e ele foi desconvidado para carregar a tocha olímpica. A comissão organizadora declarou: “preferimos que nossos valores olímpicos não estejam associados a este incidente”.
“Como eu era antes de você” é um filme baseado em um best-seller com o mesmo título, escrito por Jojo Moyes, dirigido por Thea Sharrock, com uma das estrelas de Game of Thrones, Emilia Clarke, e Sam Claflin, de Jogos Vorazes. É um daqueles filmes feitos para fazer as pessoas chorarem: a jovem se apaixona por um rapaz com deficiência que quer se matar porque ele acha que sua vida é inútil. Como o assédio sexual de Biel, o filme levantou críticas ferozes e protestos de ativistas dos direitos das pessoas com deficiência.
Ambos os casos contribuem para perpetuar culturas enraizadas que a sociedade moderna e movimentos de direitos humanos se esforçam para erradicar – cultura do estupro, no caso brasileiro, e cultura capacistista, no filme. Você provavelmente nunca ouviu falar de capacitismo, mas é fácil de entender se você associar ao significado de “ismos” mais comuns, como o racismo e o machismo. Capacitismo é privilegiar corpos perfeitos, considerar as pessoas com deficiência como inferiores às pessoas sem deficiência, objetos de piedade, fardos para as suas famílias e para a sociedade, cidadãos de segunda classe, cuja vida não vale a pena. Como machistas e racistas, a cultura do capacitismo resulta em marginalização e discriminação, que é inclusive um crime, segundo a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que celebra o seu décimo aniversário este ano e foi ratificada por 164 países.
Nos Estados Unidos, dezenas de artigos foram escritos por pessoas com deficiência, que ficaram indignadas com o filme e criticaram o fato de que ninguém com deficiência tenha sido envolvido no filme. Se os produtores do filme tivessem “dado um google”, eles descobririam que o slogan do movimento das pessoas com deficiência é “nada sobre nós, sem nós”. Manifestantes foram para as portas dos cinemas e distribuiram folhetos criados pela organização contra a eutanásia e o suicídio assistido “Not Dead Yet” (Ainda Não Morto), dizendo: “Como eu era antes de você não é um romance, é um insulto às pessoas com deficiência. Nossas vidas não são trágicas, patéticas, ou lamentáveis. Este filme é. ”
Abordada por ativistas no tapete vermelho durante a premier do filme, a atriz Emilia Clarke disse que nunca foi a intenção da produção desvalorizar pessoas com deficiência. “A mensagem do filme é que a deficiência é uma tragédia e que as pessoas com deficiência estariam melhor mortas”, disse a ativista Ellen Clifford. “O filme reproduz a narrativa dominante na sociedade e na grande mídia que insiste que é terrível ter uma deficiência.”
Se você refletir um pouco sobre o assunto, vai perceber que os danos desta história podem ir ainda mais longe. Imagine que você é uma pessoa que ficou deficiente recentemente. Depois de ver um filme onde um cara rico, bonito, com uma bela mulher que o ama e ainda ainda assim escolhe morrer, você certamente ficaria arrasado. Ou você pode cogitar se matar também. Por que é que quando as pessoas com deficiência estão deprimidas, no lugar de antidepressivos e psicanálise, o suicídio assistido é o tratamento sugerido?
Em vez de pedir desculpas por este grande erro, a diretora Thea Sharrock disse que as pessoas fizeram uma ideia errada do filme, que a mensagem era viver corajosamente, se esforçar para fazer as coisas, não se acomodar. Ativistas responderam imediatamente: #ViverCorajosamente? Nós já fazemos isso! #EuAntesDaEutanasia
Voltando ao rapper, após uma semana vendo sua carreira afundar (e provavelmente aconselhado por um novo assessor de imagem contratado pela gravadora que tem investido muito dinheiro com ele), Biel gravou um vídeo dizendo para a repórter que estava arrependido, que aprendeu a lição e que aquilo não iria se repetir.
Quando é que os produtores, escritora, diretora e atores de Como eu era antes de você vão fazer o mesmo? Esta história ainda pode ter um final feliz. Ninguém quer ser associado com os “ismos” culturais. Não só porque eles prejudicam pessoas já oprimidas. Mas também porque não é bom para os negócios.
PS – 1. Na próxima produção, você pode entrar em contato conosco, para obter assistência.
2. As pessoas com deficiência e simpatizantes continuam a protestar contra Como eu era antes de você e você pode fazer o mesmo no seu próprio país, em um cinema perto de você. Aqui está o que você deve fazer: http://notdeadyet.org/2016/05/action-alert-protest-disability-snuff-film-me-before-you.html
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