Piano de brinquedo.Por Lucio Carvalho *

Depois do nono ano de comemoração do Dia Internacional da Síndrome de Down só tenho uma certeza: chegou a hora de aposentar em definitivo o pianinho triste.

Não entendeu do que estou falando?

O pianinho triste tem sido, por anos a fio, a trilha sonora preferencial de matérias audiovisuais quando o tema é a síndrome de Down e também outras deficiências. Via de regra a ideia é tão somente causar um impacto emocional misericordioso, para não ir muito longe. Mas será que é preciso, ainda, perpetuar o tom de arrastamento de correntes? Ou melhor, será que as pessoas com síndrome de Down, apenas por essa característica, ainda precisam de tantos sentimentos misericordiosos, piedade, etc?

Eu, pessoalmente, acredito que não. Mais ainda, espero que estes sentimentos também sejam aposentados o quanto antes.

Ontem tivemos a chance de ver mensagens de todos os tipos por aí, mídias afora. Chamou-me muito a atenção a reincidente mensagem materna/paterna de que os filhos vieram iluminá-los para as coisas importantes da vida, o amor, etc. Acho que todos viram esse tipo de mensagem, não é verdade? Uns, afortunados, viram menos que outros que viram mais. Digo isso porque há muitos pais que também não querem mais ser lembrados pelo som de um pianinho triste.

Provavelmente você foi uma das 3 milhões de pessoas que assitiram a um spot que fez muito sucesso na ultima semana, no qual crianças e adolescentes com síndrome de Down de todas as idades respondem a uma gestante assustada com o diagnóstico pré-natal sobre as possibilidades existenciais futuras do filho, caso a mãe optasse por levar a gestação até o final e ter o bebê. Estima-se que, nos países onde o aborto não é proibido, o índice de nascimentos declinou vertiginosamente, na razão de 90% em alguns casos. É um filme feito para a comoção, mas que não diz respeito às crianças que estão ali e sim ao sentimento de futuras (e de presentes também) mamães. Pois o pianinho do spot tocou mais de 3 milhões de vezes na última semana, embalando sentimentos comovidos mundo afora.

O filme italiano está aqui:

Eu gostei do filme também e me emocionei com ele, assim como muitas das outras pessoas que já o assistiram. Mas ele seria mais sério e menos apelativo sem o uso dessa trilha sonora batida. Sobre o conteúdo da campanha em si mesmo seria necessário uma reflexão ainda mais ampla. Talvez outro dia…

Um outro spot, produzido por uma associação australiana, apostou noutra sonoridade. A partir do hit “Happy”, do cantor Pharrell Williams, mostrou apenas pessoas dançando por aí. Bem simples e direto. Veja abaixo.

Não é incrível como às vezes o cinema mudo ainda pode falar mais alto que discursos comoventes?

* Coordenador-Geral da Inclusive: Inclusão e Cidadania