Entraves e falta de orçamento impedem realização de ações em prol da infância
Por Juliana Sada
do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
Prioridade absoluta. Proteção integral. Garantia de direitos. Os termos que cercam as falas dos gestores sobre crianças e a adolescentes são bonitos e cheios de valores e boas intenções. Entretanto, quem lida com o cotidiano de proteção desse grupo percebe uma lacuna entre o anunciado e a realidade. No discurso, as iniciativas parecem perfeitas e prontas a sanar problemas há tempos latentes. Mas na prática, muitas vezes, parece que as iniciativas não são de fato efetivadas e os problemas persistem.
Nem sempre é simples explicar o porquê da lacuna entre o anunciado e o, de fato, realizado. Um dos caminhos para isso é analisar o orçamento do Poder Executivo. Ou seja, apurar se o governo está destinando dinheiro suficiente para a ação que está sendo anunciada. A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cleomar Manhas, explica a importância do orçamento: “Ele reflete as prioridades de quem está governando e em quais áreas estão recebendo investimentos”, diz.
Levantamento realizado pelo Promenino analisou os investimentos do governo federal em áreas como Erradicação do Trabalho Infantil, Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças, Sistema de Garantia dos Direitos das Crianças e Adolescentes e Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei). Os dados pesquisados foram entre 2008 e 2011, já que a partir de 2012, o governo mudou a divisão de ações e programas, o que dificulta a comparação em relação aos anos anteriores. As informações estão disponíveis no Siga Brasil, do Senado Federal. A plataforma permite comparar quanto o governo estava autorizado a gastar em uma determinada ação e quanto foi de fato gasto. A análise das informações revela que é recorrente que as iniciativas analisadas, ou parte delas, tenham baixa execução, ou seja, utilizou-se pouco do que estava previsto.
Existem diversos motivos que podem explicar porque uma ação não utilizou o recurso disponível. De acordo com o professor de políticas públicas da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, Sérgio Praça, há três itens que explicam o fenômeno. “A baixa execução pode indicar que o programa não é prioridade do governo, que o gestor tem dificuldade de implementá-lo e ainda que não tem dinheiro.”
A dificuldade em implementar um programa pode decorrer, por exemplo, da não assinatura de parcerias com governos municipais e estaduais ou de situações em que uma licitação ou obra foi barrada por inadequações. Já a questão das verbas se explica porque apesar de o orçamento apontar que havia recursos destinados para uma ação, nem sempre eles estão de fato disponíveis. No início de cada ano, o Congresso Nacional aponta o quanto o governo está autorizado a gastar em cada área. Entretanto, se o poder executivo considerar que não há orçamento suficiente disponível, ele pode emitir o decreto de contingenciamento, que congela os recursos e, então, cada ministério realoca a verba disponível de acordo com suas prioridades. Ao final de cada ano, é comum que parte da verba seja novamente liberada, mas não há tempo hábil para gastar e, então, no balanço aparece como tendo uma baixa execução.
Programas prejudicados
É o que tem acontecido, nos últimos anos, com as ações de fiscalização do trabalho infantil, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em 2011, por exemplo, o governo federal estava autorizado a gastar R$ 4,5 milhões, mas apenas R$ 2,6 milhões foram utilizados. Em anos anteriores, foi utilizado menos da metade do orçamento previsto. O coordenador-geral de Fiscalização do Trabalho do MTE, Luiz Henrique Ramos Lopes, explica que isso se deve ao congelamento de verbas realizado pelo governo durante o ano. “No final do ano, o governo libera a execução total, mas aí já não há mais tempo hábil para executar os recursos.” O coordenador afirma ainda que não é um problema de gestão e que o órgão executa cerca de 95% do orçamento disponibilizado, “no entanto, o que fica, no papel, no final do ano é o valor total disponibilizado, mesmo quando não há tempo hábil para o seu uso”.
Por sua vez, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), responsável por diversas iniciativas da área da infância, tem apresentado nos últimos anos baixa execução em várias ações. Em 2011, por exemplo, estavam previstos quase R$ 19 milhões para o Sinase, mas não foi gasto nem meio milhão. A verba se destinaria a ações, como formação de operadores do Sistema e apoio à construção ou reforma de unidades de internação. Esse programa é também desenvolvido por outros órgãos, como o Ministério do Desenvolvimento Social, que teve melhor execução.
Também para o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente utilizou-se pouco mais da metade dos R$ 4,6 milhões disponíveis. Nessa iniciativa estava prevista a capacitação dos agentes do sistema, que recebeu menos da metade da verba disponível. Já as ações de promoção de boas práticas e apoio aos fóruns regionais tiveram melhor execução.
Em nota, a SDH afirmou que executa “em média 95%” do valor empenhado, que é o montante reservado, já comprometido com uma ação. Entretanto, mesmo se analisado esses valores a execução segue baixa. Em 2011, dos R$ 13 milhões empenhados para o Sinase, utilizou-se oito milhões. Já para o Sistema de Garantia de Direitos, havia pouco mais de três milhões de reais empenhados e gastou-se dois milhões e seiscentos mil.
Para o advogado e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Carlos Nicodemos, a questão da baixa execução tem a ver com o projeto político dentro da SDH e suas ações prioritárias. “A secretaria operou a política mais no campo simbólico e do compromisso moral”, afirma. Nicodemos cita a situação dos conselhos tutelares como exemplo de que falta implementação da política anunciada. Ele acredita ainda que a baixa execução se reflete em cortes orçamentários posteriormente. “É um ministério com pouco privilégio e interlocução junto ao governo, com baixa capacidade de trazer a pauta para a sociedade”, completa o advogado.
A não execução de parte do orçamento é algo corriqueiro e inclusive previsto, já que o orçamento é autorizativo e não impositivo. Ou seja, o governo pode realizar tais gastos, mas ele não é obrigado a isso. “A Dilma e qualquer presidente brasileiro, caso não queira gastar, pode simplesmente não fazê-lo, mas há exceções já que alguns gastos têm caráter obrigatório”, explica o professor da UFABC, Sérgio Praça. “Esse modelo afeta especialmente áreas não prioritárias para o governo”, analisa o professor.
Nesse panorama, a pressão social é apontada como fundamental para que as políticas formuladas sejam implementadas. A Fundação Abrinq há anos acompanha essa temática. Para o técnico da instituição Fábio Silva Tsunoda, há meios para garantir que o orçamento seja implantado, sendo que alguns passam pela via judicial e outros pela participação da sociedade civil. “Eles podem ajudar no exercício de uma gestão de um orçamento mais equilibrado e pressionar para que haja vontade política”, diz.
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