Viaje até a Artemanha

Ação: Artemanha
Objetivo: Resgatar a cultura popular extinta
Cidade: Caravelas — BA
Como ajudar: (73) 8844 0068 / 3297 2177
Saiba mais em http://www.avidaeumaviagem.com.br/blog/arte-manha
Arte Manha é um movimento Cultural fundado em 25/01/1990. O movimento promove cursos de artesanato, desenho e pintura, mostra de espetáculos culturais, confecciona móveis artesanais, decoração, construção rústica, esculturas em madeiras e trabalha principalmente no resgate da cultura popular extinta, desenvolvendo assim a cultura de Caravelas.
O movimento de comunicação e arte popular, iniciado pelo Movimento Cultural Arte Manha, tem muitos parceiros na cidade de Caravelas, localizada no sul da Bahia. Da organização em torno da luta pela implantação e consolidação da Reserva Extrativista (Resex) de Caçurubá, contra o projeto de carcinicultura (criação de camarão em cativeiro), e a parceria com organizações internacionais resultaram frutos importantes como filmes de curta-metragem premiados, união das pessoas em torno da defesa do meio-ambiente e discussão das questões étnico-raciais.
Caravelas é uma cidade de vinte mil habitantes conhecida como o porto de partida para o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, e é descrita por seus moradores como a “cidade do já teve”, uma alusão aos vários ciclos econômicos que aí se sucederam. De grande produtor de óleo de baleia durante o Brasil Colônia à importante centro do comércio regional na primeira metade do século XX, a cidade tem sua história marcada pela construção da ferrovia Bahia-Minas, inaugurada em 1881 e extinta em 1966.
Caravelas foi pólo de expansão da indústria madeireira, praticamente esgotada, da produção cafeeira e agro-pecuária na Bahia, hoje pouco significativa. A procura por petróleo na década de 1980 foi decepcionante, tornando o turismo para Abrolhos escasso e intermitente. A partir do final da década de 1980, a monocultura do eucalipto se expandiu rapidamente pela região, ocupando amplas faixas de terras até então destinadas à agricultura familiar ou a pecuária extensiva.
Essa expansão teve como consequência o êxodo de grandes contingentes populacionais de antigas áreas rurais para centros urbanos regionais, como Teixeira de Freitas/BA, ou capitais como São Paulo/SP ou Vitória/ES.
Em 2006, nasceu o jornal impresso O Timoneiro e o Cineclube Caravelas. Em 2007, Josias Pereira, mestre em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizou uma oficina de produção audiovisual de baixo custo. Essa oficina resultou na produção de dois curtas: Lia e SobreViver,os quais foram filmados e editados em dois dias durante as oficinas. O júri paralelo considerou Lia como o melhor filme no Festival Visões Periféricas, realizado no Rio de Janeiro, em 2007.
O jornal O Timoneiro e as produções audiovisuais seguem os mesmos princípios: uso de uma linguagem que a comunidade entenda; desenvolvimento de temas relacionados às experiências de vida das pessoas da comunidade, e estética representativa dessa comunidade. Logo, o que está em jogo não são interesses individuais, e sim as múltiplas possibilidades de ações conjuntas que podem transformar a realidade de uma comunidade.
“Não é tudo que se compra, nem é tudo que se vende. Definitivamente, não se compra o homem! Impossível comprar um pescador; fazer comércio com suas tradições e suas sabedorias. Como pôr preço ao nobre fio que une pai, filho e avô no mesmo manto de saberes cuja tessitura mescla o homem ao mar? Não! Também o homem do mangue, em sua integridade de marisqueiro, não se vende. Não existe orçamento que mescle valor para o sentido profundo de sua lida de homem-caranguejo nos jardins de raízes tortas e lodosas da beira do rio. Em verdade, o que se compra ou se vende é a pessoa. Mas, para isso, é preciso desalojar dali de dentro o homem, neutralizar o pescador, anular o marisqueiro. Faz–se necessário empobrecê-lo, destruir sua casa, envenenar o sutil trato que rege sua parceria com a natureza. E, somente após morto, o pescador, somente depois, pode-se comprar a pessoa.” (ESTEVES, 2006)
Começaram as atividades com poucos recursos, recorrendo aos poucos equipamentos disponíveis como, por exemplo, a utilização da câmara do professor Josias Pereira para filmagem dos dois primeiros filmes. Para filmagem do documentário Outros Carnavais, ainda em 2007, usaram uma câmara mini-DV da Conservation International (CI). A partir de agosto de 2007, receberam da organização inglesa Environmental Justice Foundation (EJF) uma câmera HDV, um microfone, um computador laptop Mac Pro 6 e o programa de edição Final Cut. Nessa parceria, tínham a co-responsabilidade de produção de um documentário sobre os impactos da criação de camarão em cativeiro (carcinicultura) com sua equipe inglesa no Ceará e na Bahia.
Batizada como É tudo mentira– uma alusão ao filme É tudo verdade, filmado por Orson Welles no Ceará — o documentário registra a viagem de jangadeiros cearenses até a cidade do Rio de Janeiro em protesto contra as péssimas condições de vida e trabalho dos pescadores.
A organização norte-americana Mangrove Action Project (MAP) doou uma câmara fotográfica digital e uma câmera de vídeo mini-DV, e não só financiou o deslocamento de ida e volta ao Ceará de pescadores, marisqueiras, uma equipe do jornal O Timoneiro e o Cineclube Caravelas para registrar a luta contra o projeto de carcinicultura na comunidade do Cube, distrito da cidade de Aracati/CE, como também financiou a impressão de duas edições do jornal. Essa parceria rendeu a produção do filme Não Mangue de Mim, por uma equipe da região.
A ficção Não Mangue de Mim revela um olhar poético de quem mora nas áreas úmidas e em torno dos manguezais, partindo do princípio de que o mangue não se trata apenas de um lugar lodoso de onde se retira mariscos. O mangue abriga várias formas de vidas, incluindo o homem, que além de retirar mariscos dos manguezais, desenvolve várias práticas culturais, como a construção de casas, artesanato, cultivo de alimentos para subsistência, festas populares, o culto aos orixás e o respeito aos encantados (Caipora, Caboclinho D ?água e Boitatá, entre outros).
“Não Mangue de Mim revela a um só tempo toda força e delicadeza dos laços que unem as pessoas entre si, em defesa de seu modo de vida, e o poder ou axé que essas lutas ganham quando abençoadas pelos orixás.” (MELLO, 2008)
A luta contra a implementação de um grande projeto de carcinicultura em Caravelas e Nova Viçosa (Bahia), altamente poluente, dentro dos manguezais ainda saudáveis, criou a Colisão SOS Abrolhos. Já a Reserva Extrativista (Resex) de Caçurubá que trabalha para impedir a carcinicultura, foi finalmente criada por Decreto Presidencial, e anunciada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita a Caravelas em Junho de 2009. “O Movimento Arte Manha é um exemplo típico das articulações entre arte e mobilização social. Congrega a lógica de que expressões e manifestações em arte permitem trazer à tona problemas e prioridades que afligem, de modo específico, grupos ideologicamente minoritários e, por extensão, juridicamente vulneráveis, tornando-os visíveis para o mundo.” (FREITAS, 2008)
Nesse momento, o movimento de comunicação e arte popular foi importante na medida em que trabalhava o aspecto lúdico aliado a questões de cunho sócio-político com ingredientes relativo a questões étnico-racias e ambientais. O processo envolveu oficinas de produção de vídeo, que despertaram nas pessoas a vontade de fazer e de se sentir capaz para produzir, uma conquista do direito de ser agente de sua própria história. “É no gancho da invisibilidade que surgem duas novas ondas no panorama da produção midiática brasileira. Dizem respeito ao movimento de tomar e dar voz aos invisibilizados excluídos e marginalizados, através de recursos midiáticos — tanto em mídias alternativas como na grande mídia. Para o caso das mídias alternativas, surge no bojo dos movimentos e ações que encontram nos recursos e suportes midiáticos importantes suportes para desenvolvimento de novas expressões e alianças político-sociais entre Estado, democracia, terceiro setor, sociedade civil e grupos ideologicamente minoritários. Elaboram, assim, novos modos de representação contra-hegemônicos, acenando para a promoção de políticas públicas para inclusão social.” (FREITAS, 2007)
Produzir audiovisual, concorrer, com filmes, a prêmios em festivais e ver filmes fora dos limites de Caravelas, passou a fazer parte do cotidiano das pessoas na cidade. O espaço do Cineclube Caravelas é um local onde as pessoas se encontram e constroem ideias, produzem coletivamente e fortalecem o sentimento de grupo. É por isso que as conquistas recentes foram fundamentais para aprovação do Ponto de Cultura pelo Ministério da Cultura e do programa Mais Cultura da Bahia. Durante o processo, ocorreu um deslocamento de ações do campo exclusivamente político-partidário para o campo das questões ambientais, político-social e étnico-racial no Movimento Cultural Arte Manha.
Produção audiovisual e conquistas políticas
Para combater a carcinicultura e criar um meio de comunicação alternativo numa cidade sem jornal e rádio onde só se assistia à TV Globo, enfrentamos pessoas muito poderosas: três senadores do Espírito Santo (João Batista Motta/PSDB, Gerson Camata/PMDB, Magno Malta/PR), três senadores da Bahia (Antonio Carlos Magalhães, Waldeck Ornélas e César Borges, ex-PFL, atual DEM) e o então governador do estado da Bahia, Paulo Souto (ex-PFL, atual DEM). E, além do fato de que a família do finado senador ACM controla os meios de comunicação ligados à Rede Globo no estado.
Lutamos pela criação da Reserva Extrativista usando o vídeo como uma arma poderosa: foi uma experiência maravilhosa dar voz e imagem a pessoas que até então não se sentiam representadas. Essas pessoas produziram suas próprias narrativas, disseminando a produção e exibição de audiovisual para mais comunidades, abordando temas ignorados pelos meios de comunicação de massa, criando uma estética alternativa aos padrões dominantes.
A passagem de André Esteves por Caravelas ocorreu num momento mágico, em que a comunidade estava borbulhando, e aberta a novas experiências, possibilitando assim, a articulação de muitos setores da comunidade: Grupo de Cultura Arte Manha, Parque Marinho de Abrolhos, Pastoral da Juventude, Ecomar, Instituto Baleia Jubarte, Conservation International, Colégio Estadual Polivalente, comunidade de pescadores, moradores da zona ribeirinha, os oficineiros Breno Sadock, e Josias Pereira, Sam Colen, César Meneghetti, além de pessoas das cidades vizinhas.
Até então, em Caravelas, não se tinha referência de jornal comunitário, e produção de vídeo com exibição de filmes, nos quais as pessoas se reconhecessem, e mostrassem temas que tivessem relação com a realidade das comunidades. Pois até aquele momento, as produções cinematográficas que a população tinha acesso, eram os filmes exibidos pela Rede Globo, e os que as locadoras disponibilizavam. Sendo assim, as pessoas não tinham ideia de como era o processo de produção de um filme, e se viram de repente, diante da possibilidade de produzir e atuar, saindo assim, do estado de alienação para ação.
“Instâncias de intencionalidade na produção audiovisual caravelense e, por extensão, articulações e negociações entre processos de produção e recepção, representação e reconhecimento, fazem do Cineclube Caravelas uma espécie de base para um Estado ampliado, como proposto por Gramsci (2004), que elabora consensos e mediações entre a cidade, seu Governo, seus moradores, além de toda a sorte de recortes identitários e de pertencimento que atuam nas produções audiovisuais do Cineclube, ao falar para o mundo a partir das questões de gênero, sexualidade, raça e etnia, geração, classe e regionalismos. Ou seja, a partir de suas especificidades”. (Freitas, 2008)
Com a aprovação do Ponto de Cultura usaram o projeto Pererê para dar continuidade ao trabalho de vídeo, realizando, em parceria com a escola Polivalente de ensino médio, as oficinas de TV de rua. Onde criaram a TV Pererê, trabalho que será realizado com jovens de 12 a 17 anos. O desejo é dar voz a juventude e ouvir o que eles tem para dizer e mostrar. Para isso, está sendo conversado e elaborado um curso de comunicadores populares em parceria com a UFRJ. Será um curso de teoria e prática, feito em módulos, e que dará preferência, no ato das inscrições, a pessoas ligadas a movimentos sociais, grupos culturais e moradores das reservas extrativistas.
O berço do Cineclube Caravelas
O Movimento Cultural Arte Manha foi fundado e é liderado por jovens e adultos afro-indígenas, descendentes dos negros e índios que habitavam e ainda habitam a região do norte capixaba e do sul baiano. Em decorrência da expansão das grandes madeireiras e da pecuária nas décadas de 1970 e 1980, essa população deixou suas terras de origem e seguiram para as cidades pequenas e médias da região. Essa comunidade habita a Avenida, região periférica e outrora estigmatizada de Caravelas, cidade do Território de Identidade Sul Baiano em situação de forte declínio econômico. Sua população jovem migra para grandes cidades em busca de emprego e renda.
No início da década de 1980, jovens talentosos da Avenida, motivados por movimentos políticos e culturais que surgiram durante o processo de democratização do país, formaram um grupo com o objetivo de “fazer arte e viver da arte”. Muitos artistas de passagem pela região colaboraram para o desenvolvimento do grupo. A proposta do grupo é, por meio da arte
maravilhosa esta iniciativa …arte é vida!!!!!