Egoísmo
Por João Montenegro
Algumas das boçalidades mais irritantes e revoltantes com as quais nos deparamos diariamente – seja na rua ou via jornais, etc. – são, em última instância, motivadas por um traço marcante do ser humano: o egoísmo.
Expresso em situações como a do motorista que, alheio ao bem estar da vizinhança e à hora do dia, buzina compulsivamente, e do político que desvia recursos destinados a vítimas de desastres naturais que perderam tudo para comprar um carro importado, o comportamento egoísta é um importante agente motivador de muitos dos problemas pelos quais as sociedades passam.
Não seria um absurdo associar mazelas como a violência, a corrupção e a fome ao desequilíbrio na distribuição de bens de produção e consumo em todo mundo, fato que, no final das contas, mantém alguma relação com o egoísmo humano. Em diferentes graus, com as devidas variações em função de aspectos como tipo de criação, cultura e personalidade, assumem-se posições e cometem-se atos que reservam privilégios a alguns e prejuízos a outros.
Pensar apenas em si mesmo, contudo, não é algo exclusivamente associado à personalidade: cuidar de si, mais do que de outrem, é um resquício do instinto pela sobrevivência que ainda guardamos dentro de nós, de modo que é praticamente impossível a um homem ou mulher não ser egoísta durante suas vidas. Vale, nesse ponto, citar o filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “O motor principal e fundamental no homem, bem como nos animais, é o egoísmo, ou seja, o impulso à existência e ao bem-estar”.
Ao longo do tempo, no entanto, as pessoas aprendem a compartilhar e, graças à vida social, percebem que não é possível ter tudo o que querem no momento em que desejam. Além disso, sofrem consequências pelo mau comportamento de outros: na escola, uma turma inteira pode ser impedida de ir ao recreio pelo erro de uma só criança que não o admitiu publicamente; na vida adulta, somos restringidos pelo olhar da lei devido aos limites que precisam ser impostos por causa da irresponsabilidade de alguns.
Ainda assim, por mais que requisitos básicos de solidariedade (forçada ou não) sejam cumpridos, outros, menos gritantes – embora nocivos em longo prazo e larga escala – costumam subsistir, reforçados também pelo estilo de vida que levamos. Na correria diária, fazemos ou deixamos de fazer coisas, não importa se consciente ou inconscientemente, que, respectivamente, predicam e deixam de contribuir para o coletivo.
A esta altura, contudo, atribuir ações banais, como jogar guimba de cigarro no chão, furar fila de boate ou entrar no vagão lotado do metrô antes de deixar os passageiros saírem, ao individualismo – tradicional bandeira do capitalismo liberal –, não só não resolve o problema como ainda pode denotar falta de criatividade por parte deste autor, dado o status de lugar-comum que tal explicação já adquiriu.
Que outras razões, então, além do ritmo de vida intenso e estressante a que estamos submetidos e a falta de educação (ou, ao menos, educação adequada), podem estar por trás de homens e mulheres cada vez mais egoístas e umbigados?
Há, sem dúvida, nesse sentido, um importante papel desempenhado pelo enfraquecimento do comunitarismo. Com a migração de milhões de pessoas para as grandes cidades, fenômeno claramente observado durante o século 20, intensificaram-se a concorrência e as disputas por espaço: do mercado de trabalho à sessão de cinema, na briga pelo melhor assento. Isso, aliado a um gradativo processo de impessoalização das relações sociais – dado que, em inchadas megalópoles, aqueles que não vivem no mesmo bairro, são praticamente o mesmo que estrangeiros entre si –, pode ter conduzido a esse desenvolvimento do comportamento egoísta das pessoas.
Certamente, há diversas outras razões de cunho histórico relacionadas a esse fenômeno, no que seria impossível listá-las por completo neste texto. Por isso, ocupo-me aqui em jogar luz sobre o fato de que os atos egoístas mais veementemente condenados, como aqueles relativos à insaciabilidade dos políticos corruptos frente à miséria do povo, poderiam ser mitigados caso pequenos erros de conduta cometidos por nós, todos os dias, aflorassem em nossa consciência como equívocos de fato.
Esse seria um primeiro passo para que nós não apenas os evitássemos posteriormente, mas aprendêssemos a nos julgar antes de criticar, como ridículos hipócritas, os outros. E, é bom recordar, os outros, inclusive os lá de Brasília, somos nós também.
Fonte: Consciencia.net
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