Rio puxa corrente contra o preconceito

por Lais Mendes Pimentel, exclusivo para a Inclusive
A minha estréia no teatro não poderia ter sido num evento que espelhasse mais a minha vida. Em maio, fui convidada pelo meu grande amigo, o ator e diretor Guilherme Piva, a fazer o roteiro do PRIMEIRO PRÊMIO RIO SEM PRECONCEITO. A iniciativa da premiação partiu de Carlos Tufvesson, conhecido militante gay e responsável pela Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro. A ideia do Tufvesson era homenagear pessoas que tenham contribuído para a defesa dos direitos civis.
Jornalista há 25 aos e mãe do Francisco, que tem síndrome de Down, há 10, eu tinha mais do que know-how para entender a importância do que aconteceria na noite de 28 de junho no Teatro OI CASAGRANDE. A acuidade com as palavras, a mão precisa para não vitimizar ninguém, e tampouco transformar aquela festa num evento panfletário, eram as minhas maiores preocupações.
Enquanto esperávamos os votos de 25 jornalistas chegarem, elegendo 12 pessoas, foi preparado um painel gigante, assinado pela fotógrafa Nana Moraes que, como muitos, contribuiu de graça para o prêmio. Não há modelos ali e sim gente como a gente, que reflete a diversidade humana e sua natural interação: uma anã casada com um negro; uma mulata casada com um louro de olhos claros; uma cadeirante, uma cigana, casais gays, índios, idosos e o meu Francisco, tão lindo, representando com sorrisos e caretas a tribo das pessoas que nasceram com síndrome de Down.
Além da entrega dos prêmios e de números musicais, a festa contou com uma espécie de jogral, que abriu o PRÊMIO de forma emocionante. Cortinas fechadas, música impactante e o painel é finalmente revelado para um teatro lotado, com quase mil pessoas que ovacionaram, assobiaram, se arrepiaram ao ver, na frente daquelas imagens, seis pessoas: o babalaô Ivanir dos Santos (representando a luta contra a intolerância religiosa), Louise Cardoso (discriminação contra mulher), Zezé Motta (preconceito racial), a transsexual Lea T (bullying), o gay Daniel (diversidade sexual) e a carismática Fernanda Honorato, a primeira repórter com síndrome de Down do mundo. “Posso acrescentar que eu não tenho vergonha de ter Down?”, me perguntou ela na coxia. Claro que pode, Fernanda! Você pode tudo!
A cada parágrafo lido, o teatro vinha abaixo. E eu, junto. Estava tudo na mesma sintonia: participantes, premiados, platéia. Era um misto de coragem com unidade. Enfim, era a inclusão em ação:
“Negro – (ZEZÉ MOTTA) Eu sonho com o dia em que meus filhos vivam numa nação em que não serão julgados pela cor da pele e sim pela conduta, pelo caráter. Crioula, preta, negona… Podem me chamar de tudo, mas não queiram tirar minha alma. A cor da minha pele não pode ser usada contra mim. Afinal, o Brasil é preto, é branco, é amarelo. Meu nome é Zezé Motta o e tenho orgulho da minha cor.
Sexual – Como cidadão, tenho deveres. Porém não tenho AINDA os mesmos direitos de todos os outros brasileiros. No ano passado, o Brasil ganhou o terrível título de país que mais mata homossexuais por crime de ódio no mundo. Cidadãos, independente de sua orientação sexual, morrem torturados diariamente em nosso país por homofobia! Somos a última tribo urbana que luta pelo direito de amar, e ter nossas relações reconhecidas pelo Estado. Meu nome é Daniel e sou gay assumido.
Deficiente – (FERNANDA HONORATO) O preconceito contra a deficiência tornou milhões de brasileiros invisíveis por séculos. No terceiro milênio, a presença de deficientes sensoriais, físicos ou intelectuais é cada vez maior. O grande obstáculo está na ignorância, no olhar equivocado de quem não enxerga eficiência na deficiência. Preste atenção em mim: Meu nome é Fernanda Honorato, a primeira repórter com síndrome de Down no mundo.
Mulher – (LOUISE CARDOSO) O número de mulheres vítimas de estupro aumentou 25% no ano passado. Isso porque estamos perdendo o medo e a vergonha de denunciar a violência que sofremos, principalmente em casa e, na maioria dos casos, de conhecidos. Cada vez mais nós, mulheres, assumimos a chefia da família e do trabalho e de nossas próprias vidas. Mesmo assim, apesar de MAIORIA somos “minoria”. A igualdade entre os sexos é um direito meu. Meu nome é Louise Cardoso. Viva Maria Bonita, Viva Maria da Penha.
Religioso – (IVANIR DOS SANTOS) Atabaques, sinos, orações, promessas, o silêncio respeitoso… Tudo isso cabe na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A liberdade religiosa é um direito garantido pela Constituição brasileira. Somos livres para abraçar qualquer religião que nos fale ao coração. Salvem todas as religiões que garantem liberdade para que cada um cultive sua relação com o divino. Afinal, a sabedoria divina prega sempre a solidariedade. A intolerância, o ódio, o preconceito não são de Deus. Deus, não importa o nome que tenha, é SEMPRE AMOR. Meu nome é Ivanir dos Santos, e sou babalorixá.
Bullying (Lea T)
Em algum lugar nesse momento alguém está sofrendo bullying. Infelizmente, esta palavra feia está em todas as partes. Nas escolas, em locais de trabalho, nas ruas. Só quem foi vítima de BULLYING sabe a força que é preciso fazer para sobreviver, para ser maior do que ele. Vem do inglês “agir como um valentão”. O bullying é democrátivo. Não se restringe a sexo, classe social, idade ou cor. E posso falar sobre bullying. Eu nasci Leandro Cerezo e escolhi ser Lea T.”
Vários foram os momentos emocionantes. Desde a mãe coragem Lucinha Araújo (que foi premiada pela luta pessoal que ela empreende, através da SOCIEDADE VIVA CAZUZA, contra o estigma que cerca os soropositivos) dizendo, com a objetividade que seu filho, Cazuza, herdou, “Preconceito, pra mim, é falta de caráter”, às lágrimas de Lea T, nascida Leandro Cerezo, falando de quão fundamental é a família para que ela sobreviva às inimagináveis dificuldades de ser uma mulher que nasceu no corpo de um homem.
Não havia coitadinhos ali. Eram todos vencedores de uma luta que não termina, mas que se perpetua com novas regras. Há legislações, há debates, há visibilidade. Isso tudo pode não ser uma rima, tampouco uma solução, mas é um avanço. O preconceito é talvez a maior doença da civilização. Mas, ao ver uma platéia lotada de pessoas que estão interessadas em prestigiar aqueles que dedicam parte de seu tempo para se expor (sim, lutar contra preconceitos é ter que vestir uma armadura para agüentar muita ignorância), em nome de seus próprios direitos e de outros também, vemos que estamos no caminho certo.
Reconheci várias pessoas famosas cuja presença endossava a importância daquele prêmio, uma noite impensável há poucas décadas! Entre tanta gente boa, vi, por exemplo, o príncipe Dom Joãozinho com a filha Maria Cristina, a única princesa com Down do mundo. E as celebridades eram entrevistadas pela Fernanda Honorato para o PROGRAMA ESPECIAL, da TV Brasil. Ou seja, foi uma noite histórica que poderá ser revivida, nalgum momento, nas reportagens feitas pela Fernanda Honorato para o PROGRAMA ESPECIAL, da TV Brasil. Fiquemos de olho.
http://www.programaespecial.com.br/o-programa/equipe
Reportagem Pheeno
http://www.youtube.com/watch?v=CPSr1jKIcPM
Entrega do prêmio e entrevista Lea T.
http://www.youtube.com/watch?v=KuLdqbn7dqI
Fonte: Inclusive e site Pheeno
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