Mais um século de mãos amarradas?

Por Andrei Bastos
Sou de oposição ao PT e ao Lula desde que foram inventados, nos anos 1980, mas não tenho rabo preso com nenhum outro partido, inclusive com o partido a que sou filiado, o PPS, que outro dia perguntaram no Facebook se existia. Também não vivo de favores de coronéis eternizados na política deletéria praticada no Brasil.
Com esta independência, que quase sempre me deixa pendurado na brocha, fui a uma audiência pública na Alerj sobre a Meta 4 do Plano Nacional de Educação, que trata da educação inclusiva, no último dia 3 de junho.
A organização do evento colocou a platéia para falar primeiro, antes dos parlamentares ocupantes da mesa ou presentes no plenário. As falas se sucederam e fiquei com a impressão de que ninguém tinha lido a Meta 4, com todos se alinhando num confronto sem conteúdo à iniciativa governamental e alguns soltando frases de efeito, o que parecia ser do interesse eleitoral de políticos presentes, preocupados em saber para onde o vento está soprando ou se suas claques estão com o discurso afinado.
Unilateral, pois apenas uns poucos reconheceram a educação inclusiva como um avanço, esta audiência pública pobremente serviu para estimular um antagonismo equivocado.
Como dizer que as escolas especiais serão fechadas, se a Meta 4 prega “fomentar a educação inclusiva, promovendo a articulação entre o ensino regular e o atendimento educacional especializado complementar ofertado em salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em instituições especializadas”?
Como dizer que esta política pública é excludente se ali também se prevê “ampliar a oferta do atendimento educacional especializado complementar aos estudantes matriculados na rede pública de ensino regular”?
E por aí vai.
Pendurado na minha brocha, recomendo aos opositores do governo que procurem bandeira melhor do que combater a Meta 4, que integra uma política pública importante para o processo de inclusão das pessoas com deficiência, comprometida com o que preconiza a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que foi incorporada à legislação brasileira como Emenda Constitucional.
Afinal, as dificuldades existem tanto para o chamado ensino regular como para a educação inclusiva, o que todo o sistema de ensino deveria ser, e é obtuso negar que a Convenção da ONU representa um norte absolutamente contrário, entre muitas orientações e idéias retrógradas, ao Congresso de Milão, por exemplo, que em 1880 condenou os surdos a um século de mãos amarradas, proibidos de usar a língua de sinais, que só foi reconhecida oficialmente no Brasil em 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Finalmente, tão errado quanto tentar promover a inclusão com canetadas é ser contra uma política pública que aponta para dias melhores para as pessoas com deficiência e é capaz de dar a escala necessária para o processo de inclusão de 25 milhões de brasileiros com deficiência e não dos números acanhados apresentados pelos institutos imperiais, que mesmo estando aí há mais de 150 anos, não foram capazes de se estabelecer como vanguarda desse processo.
Se existem falhas na Meta 4, ou no Plano Nacional de Educação, vamos apontá-las e fazer com que esta iniciativa de governo se consolide como política de Estado, o que, aliás, o movimento das pessoas com deficiência vem conseguindo fazer ao longo da sua história, sem precisar ficar bradando que o Estado é excludente, porque ele é mesmo, até onde a cultura do preconceito e da discriminação o levou, e sem fechar uma porta importante para a inclusão de todas as pessoas com deficiência brasileiras.
* Jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
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Fonte: O autor
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