O menino Miguel Gadelha, sentado no alto de um escorrega
O menino Miguel Gadelha, sentado no alto de um escorrega

Crianças brancas, recém nascidas e saudáveis ainda são maioria no ranking de adoção no País. Para tentar reverter este paradigma, a ONG Aconchego lançou esta semana a campanha “Adoção: Família para todos”, em comemoração ao Dia Nacional da Adoção (25/05), em solenidade no auditório do Palácio do Planalto, em Brasília (DF). O evento teve como objetivo sensibilizar a sociedade para a importância da adoção de crianças e adolescentes excluídos pelos perfis idealizados pela maior parte dos pais adotivos. Dos cerca de 29 mil meninos e meninas que vivem em abrigos no Brasil, apenas 4 mil estão aptos para adoção. Desse total, aproximadamente a metade é de raça negra e 21%  possui problemas de saúde como deficiência física ou intelectual, segundo dados divulgados no último mês pelo Cadastro Nacional da Adoção.

A Presidente do projeto Aconchego, Soraya Rodrigues Pereira, afirma que a quantidade de crianças aptas para a adoção não corresponde à realidade encontrada nos abrigos. A Justiça também enfrenta dificuldade em encaixar perfis com idade acima dos 3 anos, do sexo masculino e crianças que possuem irmãos. “Escolhemos essa data justamente para chamar a atenção da necessidade de tratar o tema como um direito da criança e não apenas para atender um desejo dos adultos. Normalmente, ainda se pensa em encontrar uma criança que se adapte ao filho imaginado pelos pais que se candidatam à adoção e essa criança idealizada é o inverso da realidade dos abrigos”, diz.

O evento contou com a presença de lideranças do governo como o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e da ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário. Na ocasião, foi veiculado um pequeno documentário produzido pelo Aconchego em parceria com a Universidade Católica de Brasília. O vídeo mostra histórias bem sucedidas de adoções fora do padrão, que acontecem no país inteiro como a adoção de tardia (crianças acima de 3 anos), inter-racial e com necessidades especiais (deficiências diversas, soropositivas, doenças tratáveis). O documentário também será disponibilizado na internet para os grupos de apoio à adoção de todo o país e veiculado em pequenos trechos em algumas emissoras de tv. “Queremos provocar o debate e a reflexão sobre o filho possível e o imaginado. E mostrar que a adoção é uma maneira de conceber uma família onde os laços se formam a partir do afeto, levando em conta o direito que toda criança tem de crescer em família e buscando fazer disso uma prioridade”, diz Soraya.

Atualmente, o Distrito Federal (DF) conta com 295 famílias habilitadas para a adoção e 163 crianças aptas para serem adotadas. Ou seja, são cerca de 2,5 famílias para cada criança. No entanto, 100 desses menores têm idade entre 12 e 18 anos.

O interesse pela adoção sempre fez parte dos planos da advogada Fabiana Gadêlha, 33 anos. Em 2007, ela e o marido Leandro planejavam adotar uma criança dentro dos padrões comuns após o nascimento da única filha biológica, Valentina. Mas ao conhecer Paulinho, de apenas 3 anos de idade, em uma instituição para crianças com câncer em que Leandro trabalhava, tudo mudou. Portador de leucemia, o menino ia ser entregue a um abrigo por não ter acompanhante fixo para a realização do tratamento de químio-terapia. Comovido, o casal resolveu acolher o mais novo caçula e experimentaram, pela primeira vez, a emoção da adoção especial. “Compreendemos que ele poderia ser esse filho que tínhamos tanta vontade de adotar. Procuramos a Vara da Infância e Juventude para iniciarmos o processo legal de adoção, que foi concluído em dezembro de 2007. Em fevereiro de 2008, o Paulinho não estava muito bem e não resistiu a uma infecção generalizada. Em menos de um mês, ele faleceu. Ao todo, foram 6 meses de convivência e um curto tempo que senti a verdade desse amor”, conta.

O que parecia ter dado fim ao sonho de ser mãe outra vez serviu, dois anos depois, de estímulo para que a advogada voltasse a pesquisar sobre adoção em redes sociais e sites. Segundo Fabiana, o casal permaneceu na fila para adoção desde 2007 e a ansiedade que sentia era como uma espécie de gravidez “sem fim”. Foi aí que,  ao entrar em contato com um grupo online de incentivo a adoção especial , em 2009, que  Leandro e Fabiana tomaram a decisão de inverter o perfil de uma criança dentro dos padrões comuns para o especial. “Uns dois meses depois, em 22 de setembro de 2009, recebemos um e-mail sobre a existência do Miguel, que dizia: ‘menino, 9 meses, portador de síndrome de Down, destituído, no Paraná’. Isso me tocou de uma forma que eu não via síndrome, só a criança. Em 6 dias me ligaram para buscá-lo e me apaixonei assim que o vi”, relembra.

Para Fabiana, o desinteresse na adoção de crianças e adolescentes como Miguel ou Paulinho pelo Brasil a fora é devido, principalmente, à falta de conhecimento. Por isto, ela destaca o papel fundamental do projeto Aconchego. O grupo foi fundado em 1997, no Distrito Federal, com o intuito de acompanhar e orientar pais e filhos adotivos antes e depois da adoção. Hoje, Fabiana é Diretora Jurídica da ONG e realiza encontros eventuais com candidatos a pais adotivos especiais para despertar a adoção consciente e responsável ao compartilhar experiências e informação.  “O Miguel, hoje com 2 anos e meio, se adaptou perfeitamente à minha família. Infelizmente, a sociedade é muito preconceituosa e as pessoas acham que terão gastos ou que vão dar trabalho, pelo contrário. Não é porque ele possui necessidades especiais que quer dizer que é deficiente. Se eu posso gerar um filho assim pela natureza, eu também posso ter”, incentiva.

Fonte – Aconchego