Ministério Público: revolução que a imprensa ainda ignora
Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz (*)
A concentração de renda (e de poder), no Brasil, responsável pelo intolerável fenômeno da exclusão social, é certamente o maior entrave para a definitiva implantação da nossa democracia. Como sonhar com justiça social e com níveis mínimos de cidadania – sem os quais não há real democracia – quando a exclusão e a miséria subtraem da maioria do povo brasileiro a possibilidade de reivindicar o respeito a seus direitos? Por que teriam acesso à Justiça aqueles que não alcançam saúde, educação, emprego ou moradia?
A Constituição de 1988 procurou superar esse dilema, incumbindo o Ministério Público de defender, como mediador de conflitos e perante o Judiciário, os interesses da sociedade, com ações prioritárias, obviamente, em favor das parcelas mais desfavorecidas da população.
Algumas das características dessa Instituição a tornam instrumento eficiente de aplicação dos princípios constitucionais e da lei: a presença de Promotores de Justiça em todas as comarcas do território nacional; o caráter profissional e técnico de sua atuação, desvinculada de interesses político-partidários; as garantias de autonomia e independência que lhe foram confiadas.
Desse modo, têm merecido alguma divulgação importantes medidas tomadas pelo Ministério Público em relação ao problema da criminalidade, ou à violência policial, à defesa do patrimônio público, do meio ambiente, dos interesses urbanísticos, do consumidor, da criança e do adolescente, da pessoa portadora de deficiência, ou à prevenção de acidentes do trabalho. Democracia supõe liberdade e, em contrapartida, sistemas eficientes de controle social do exercício do poder.
No entanto, são comuns as reações contra iniciativas tendentes a alargar e aprimorar esses mecanismos de fiscalização. O Ministério Público, por exemplo (assim como a imprensa, as ONG, as CPI, o próprio Judiciário), é alvo de freqüentes acusações de “excesso de poder”, ou de comprometer a imagem dos investigados. Vez por outra surgem propostas de retirar-lhe funções e instrumentos de trabalho.
Quem sempre usou o poder político ou econômico com liberdade quase absoluta – e, muitas vezes, de forma irresponsável, egoísta ou criminosa – não recebe o controle de seus atos com compreensão e naturalidade. Ninguém gosta de ser fiscalizado, nem mesmo perante o Judiciário, com a mais ampla liberdade de defesa; nem mesmo quando assim recomenda o interesse público.
Quem se animaria a afirmar que entre os brasileiros vigora a crença de que as leis são cumpridas por todos? Quem negaria a sensação disseminada de impunidade? Esses fatos, somados a tantos outros, como a nada honrosa 36ª posição do Brasil no ranking mundial da corrupção, divulgado pela Transparência Internacional (com nota 3,56 de 10,0 possíveis), recomendariam opção decidida em favor de regras que impusessem maior transparência no exercício do poder.
O dinheiro arrecadado do povo, escasso num país pobre como o Brasil, é essencial para a implementação de políticas sociais, para a tentativa de levar cidadania à grande maioria de pobres e excluídos. Apropriar-se dele ou utilizá-lo irregularmente significa subtrair comida de quem tem fome, postos de saúde de quem está enfermo, escolas de quem mais precisa delas.
O Ministério Público, hoje autônomo e independente, tem consciência de sua parcela de responsabilidade no esforço de afirmação do Estado de Direito. Seu objetivo não é obter notoriedade. As medidas adotadas pelos Promotores de Justiça de regra o são de modo eficiente, mas sem alarde. Na área do meio ambiente, por exemplo, em que há dados estatísticos disponíveis, foram homologados pelo Conselho Superior do Ministério Público, de fevereiro a julho de 1997, cerca de 560 acordos administrativos com pessoas (físicas ou jurídicas) investigadas. Apenas no que diz respeito a reposições florestais, esses acordos redundaram no plantio de aproximadamente 460.800 mudas e árvores em todo o Estado. No mesmo período, foram ajuizadas 115 ações civis públicas ambientais, muitas das quais também terminarão por acordo judicial. Embora elevado, esse número é quase cinco vezes menor que o primeiro.
Postura semelhante vem sendo adotada nas demais áreas de sua atuação, com o didático efeito de sinalizar a necessidade de adoção de novos padrões éticos de conduta, de maior respeito às leis e às coisas públicas, bem como aos direitos humanos, ou dos hipossuficientes e das minorias.
Essa silenciosa e saudável revolução de nossos costumes, nas esferas social, política e econômica, mereceria maior reconhecimento da imprensa e da sociedade, inclusive para que esta, mais consciente de seus direitos, passasse a exercer, ela própria, controle cada vez mais direto do uso do poder.
Fonte: Observatório da Imprensa
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