Colagem de Luiz Rosemberg Filho

Massacre de mendigos nas ruas de Maceió mostra o descaso das autoridades e os agudos contrastes de uma sociedade violenta e intolerante com os desabrigados.

Por Reinaldo Cabral *

Há mais de 45 dias, a Arquidiocese de Maceió clama à sociedade alagoana por uma reação contra assassinatos de moradores de rua e esperneia para que as autoridades locais adotem providências para a paralisação de seu extermínio semanal . Ao todo foram contabilizados, até agora, 32 assassinatos, entre fuzilamentos, incêndios, esquartejamentos e esfaqueamentos.
A última vítima foi esfaqueada na semana passada, e por algumas horas permaneceu viva na UTI de um hospital público.

De lá para cá, como se fizesse ouvidos de mercador, o prefeito da capital, Cícero Almeida, cruzou os braços, como se o extermínio programado,violento e desafiador,não estivesse acontecendo sob suas barbas. Até que uma nota da arquidiocese publicada no site da Associação Alagoana de Organizações Não Governamentais (AALONG) e nos jornais locais chegou ao conhecimento do Ministério Público Estadual.

As investigações foram iniciadas e se chegou aos nomes de três policiais civis diretamente envolvidos na matança. Mas eles só foram presos uma semana depois da denúncia. A lista dos responsáveis pelos crimes mal foi elaborada e novos crimes estão previstos para os próximos dias. Como é de praxe.

Na verdade, essa não é a primeira vez em que moradores de rua são vítimas de extermínio em Alagoas. Na década de 60 isso também ocorreu. E os motivos não foram diferentes. A sociedade alagoana possui uma elite das mais atrasadas politicamente do país. Há 50 anos, os motivos foram os mesmos: excesso de pobreza nas ruas, miséria exposta, pobres e mendigos dormindo ao relento, sob as marquises – algo que envergonha os ricos, deixa os turistas atarantados e os contratos sociais ameaçados.

Os contrastes sociais são imensos neste pedaço de terra tão belo: carros importados em abundância nas ruas e apartamentos luxuosos que alcançam até R$ 12 milhões na orla marítima. Por outro lado, apenas em Maceió, 280 favelas, onde se amontoam 380 mil favelados, numa população de menos de 1 milhão de habitantes. Maior concentração de renda entre as capitais brasileiras e maior índice de pobreza do país entre as capitais.

O fato é que esses índices não são de hoje nem de ontem. Há décadas que eles evoluem de forma avassaladora. E foi preciso que o arcebispo metropolitano, Dom Edvaldo, pusesse todas as trombetas das igrejas a ressoar a mesma cantilena desde o ano passado para a sociedade começar a acordar.

É preciso recordar que, na década de 60, sob o governo de Carlos Lacerda, apelidado pelos seus adversários políticos de O Corvo, o antigo Estado da Guanabara inaugurava para o país igual matança de mendigos. Os corpos amanheciam fuzilados ou esfaqueados sob as marquises e nos córregos. Era o domínio das elites lacerdistas-udenistas. Como uma cidade-maravilhosa poderia conviver com a mendicância?
Hoje, Maceió revive o morticínio. Afinal, quem são os grupos de extermínio? Eles são formados e financiados por empresários conservadores ou por jovens da classe média, entediados e embriagados depois das festas, que, sem ter o que fazer e que resolvem promover, incentivados pelos seus próprios pais, uma limpeza étnica e moral na cidade: assim, livram-se dos pobres e negros frequentadores das marquises à noite, os que não têm abrigo para dormir, sequer um casebre onde se esconder

Qual a origem dos exterminadores? Por que a Polícia Federal não fez uma investigação mais profunda? Por que a Prefeitura de Maceió, através dos seus órgãos competentes, não investiga a origem dos moradores de rua ou não contrata uma investigação policial independente para resolver o caso? Acumpliciamento ou incompetência?

Em 2007, uma pesquisa incompleta realizada pela administração municipal apresentava menos de 50 mendigos como moradores de rua. No começo deste ano, o número havia passado dos 350, e o município permaneceu apenas com um abrigo em que aceitava pernoite de menos de 50 – atitude que permanece a mesma. Um gesto a revelar mais hipocrisia do que desinteresse do secretário municipal de Assistência Social de Maceió, Francisco Araújo. Ele insiste em dizer que “não há mais necessidade de novos abrigos em Maceió, pois 70 % dos moradores de rua daqui são viciados em droga”. Por que não tratá-los? – pergunta-se. A hipocrisia ultrapassa a violência.

A denúncia do caso via imprensa a partir de domingo (7/11/2010) obrigou a entrada em cena de um novo ator no cenário, um representante da Presidência da República, o que motivou a Prefeitura de Maceió a se reposicionar a respeito, já que obteve a promessa de que não faltarão verbas federais para a efetiva proteção dos moradores excluídos.

A velha cantilena de que esses moradores de rua de Maceió em sua maioria são oriundos do flagelo das cheias e do desemprego aberto na entressafra da cana de açúcar apenas reabre uma antiga discussão: cadê o trabalho social das usinas de açúcar, que já foram responsáveis por 70% da economia do Estado e ainda respondem pela maior fatia da força econômica de Alagoas?

* O jornalista e escritor Reinaldo Cabral reside em Maceió. É administrador do site da Associação Alagoana de Ongs (AALONG) – www.aalong.com.br. Foi repórter do Jornal do Brasil e da Folha de S.Paulo. Na atualidade, debate sobre os temas centrais do seu mais recente romance-reportagem, O voo do gafanhoto – tráfico, autoritarismo, crime organizado, ditadura militar, luta armada, mudanças políticas e amor em tempo da paz.  E-mail: reinaldocabral@hotmail.com

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Fonte: Via Política