Portal Brasil: A experiência de navegação de uma pessoa cega
Há alguns dias, recebi por e-mail um convite para o lançamento do novo Portal Brasil. Como acontece em muitos outros e-mails de divulgação, os dados não estavam no corpo do e-mail e sim num arquivo em anexo, num formato de imagem que não pode ser lido pelos programas leitores de tela utilizados pelas pessoas cegas. Respondi solicitando uma providência, mas não teve jeito; recebi outro e-mail com outro arquivo de imagem anexado. Tudo bem, com ou sem e-mail acessível, o lançamento de um novo site acessível é sempre motivo de alegria; principalmente se tratando de governo, onde existem tantos serviços sem acessibilidade. Então, vamos conhecer o Portal?
Se me permitem uma analogia, minha experiência de navegar no Portal Brasil se assemelha à experiência de um passeio de montanha russa. Começa bem lá em baixo, tentando entrar no site, que fica muitas horas fora do ar. Quando consigo entrar, a página demora para carregar. (Este detalhe não me parece irrelevante, se considerarmos que muitos brasileiros acessam a internet com linha discada e que a nossa banda larga é cara, além de não ser tão larga assim…)
O passeio continua pelos pontos baixos; o meu programa leitor de telas lê o título da página da seguinte maneira: “Ômi – Portal Brasil”. “Ômi” não é o masculino de “Muié”; é a pronúncia da palavra “home”, quando não está codificada corretamente com a indicação de que é uma palavra da língua inglesa. Mas por que será que fazem tanta questão de chamar os “sites” de “sítios” e continuam chamando a “página principal” de “home”?
Ao começar a ler a página, vou imediatamente para um ponto alto. O primeiro link que encontro é “Ir para o conteúdo “. Este link faz parte das boas práticas de acessibilidade; é muito útil para as pessoas cegas e também para quem tem problemas motores e não consegue usar o mouse. Ele nos permite acessar diretamente o conteúdo principal da página, pulando toda a área de navegação que vem antes.
Depois passamos por uma área meio confusa, onde, quem consegue entender, pode selecionar o idioma, fazer pesquisa e selecionar alguns filtros. Só para dar uma idéia da confusão, essas seleções não são apresentadas em campos de seleção e sim em links, como se fossem para navegação. E daí mergulhamos novamente num ponto baixo, onde encontramos um link com o seguinte texto: “Para navega and ccedil;and atilde;o via teclado, clique e v and aacute; direto para os conte and uacute;dos do portal pular para o conteúdo”. Imaginem um sintetisador de voz falando isso! Sem contar que já existe um link anterior com a mesma função…
Porém, o próximo link nos tira rápido desse abismo. Também recomendado nas boas práticas de acessibilidade, ele nos leva para uma página onde se explica a acessibilidade. Além disso, nessa página temos links para sugestões, esclarecimento de dúvidas e para relatar erros. Beleza! Mas isso também não dura muito. Na seção de leis e decretos, começamos novamente a descida. Ali encontramos um link para o Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004 , mas não encontramos link para o Decreto 6949 de 25 de agosto de 2009 , que promulgou a Convenção da Onu sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Mas a descida não pára por aí. Ainda nesta página, encontramos uma enquete com os seguintes links:
bad
below average
average
good
excellent
Neste ponto, o tico e o teco começaram a confabular: será que esses descritores, assim como o “home”, estão aparentes para quem está vendo? Provavelmente não; devem fazer parte daquele lixo oculto dos sites, que prejudicam os deficientes visuais, da mesma maneira que a poeira varrida para baixo do tapete prejudica as pessoas alérgicas.
Voltando à página principal, logo iniciamos a subida, pois a seguir encontramos links para controlar o tamanho da fonte e o contraste; ou seria constraste?! Ao menos é isto que está escrito no link: “Clique aqui para aplicar o constraste”. Aiaiai, será que vou despencar de novo?! Não, logo adiante encontro um link para o mapa do site, o qual tem uma arquitetura que ajuda a me situar melhor. Visão panorâmica do portal, lá do topo da montanha…
Mas essa maravilha não dura muito. Voltando à página principal (aquela tal de ômi), entro numa série de links, organizados em listas dentro de listas, onde o primeiro link é “Navegação”; mas apesar de terem o mesmo texto, vão para endereços diferentes. E, mais adiante, despenco no abismo total, no erro mais elementar de acessibilidade: link em imagem sem descrição textual. Até dá para entender do que se trata, mas duvido que o portal iria para o ar com este texto visual nos links:
ico/ico_twitter
ico/ico_youTube
Depois disso ainda encontrei outras pérolas de inacessibilidade, tais como 6 links com o texto “Dominio Publico” e a instrução: “Copie o link ao lado:” Ao lado de quem, cara pálida?! Não dá mais, chega, por favor, pára a montanha russa que eu estou enjoando, deixa eu sair! O quê? Não pode parar não? Será que entendi bem? Será que, para se redimir de um decreto que estabelecia a acessibilidade dos sítios públicos equivocadamente só para deficientes visuais, o governo resolveu então lançar um portal sem realizar testes com nenhum deficiente visual?!
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Fonte: Acesso Digital (Licenciado pela CC 2.5)
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