TAI - Tópicos em autismo e inclusão.

Sara R. Oliveira| 2010-02-10

Pais de crianças autistas pedem mais apoios, mais respostas de actividades extracurriculares ou de tempos livres e campanhas de sensibilização que destruam tabus.

Helena Sabino, assistente social, soube que o filho era autista quando ele tinha 18 meses. “Não percebemos que era autista. Tal coisa nunca nos passou pela cabeça. Notámos alguns retrocessos e alterações no comportamento por volta dos 16 meses”, recorda. Os recuos foram comunicados ao pediatra que desconfiou que o bebé pudesse ter perturbação do espectro do autismo (PEA), depois de no exame auditivo não ter sido detectado qualquer problema. Dois meses depois, uma consulta com um pediatra do desenvolvimento viria a confirmar as suspeitas do médico. “Num espaço de um mês, até termos a consulta, pesquisámos tudo sobre o autismo, as características, as terapias, consultámos blogues de outros pais.”

O filho de Helena tem agora três anos. Não foi nem é fácil contornar dificuldades. “Deparámo-nos inicialmente com a falta de apoio psicológico aos pais, falta de informação precisa sobre as várias terapias existentes e onde as encontrar, falta de apoio do Estado na comparticipação das mesmas, sendo que são particulares e custeadas integralmente pelos pais. Falta de tempo para o casal, inexistência de um centro, instituição ou organismo que possa tomar conta da criança, para que os pais possam sair e ter tempo para o casal.” Seguiram-se as preocupações com a integração do filho na sociedade e sobre o futuro.

Quando o diagnóstico foi feito, o filho de Helena frequentava uma creche particular. “Os técnicos não tinham formação e informação sobre a patologia e não dispunham de uma equipa técnica que permitisse prestar apoio terapêutico”, lembra. Passou para uma creche da Casa Pia de Lisboa, onde começou a ter apoio individualizado. Terapia da fala e terapia ocupacional durante 30 minutos por dia, cinco dias por semana. Ensino especial meia hora por dia, quatro dias por semana. Mais apoio, a mesma mensalidade. “O grupo era constituído por 10 crianças que desde cedo foram trabalhadas no sentido de ajudar o meu filho, o menino que tinha mais dificuldades”. Neste momento, está na mesma instituição, no pré-escolar, com a mesma turma. “E está perfeitamente integrado no grupo. Infelizmente sei que o caso do meu filho é uma excepção.” Além do apoio escolar, tem terapia uma vez por semana na Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) de Lisboa e hidroterapia também uma vez por semana.
O que mudaria para uma integração plena? “Torna-se necessário mudar mentalidades”, responde Helena. “Para isso, não há nenhuma poção mágica. Só com vontade política, legislação específica, aplicação da mesma, acções de sensibilização nas escolas e empresas e formação, será possível mudar mentalidades e consequentemente a integração plena na sociedade das crianças com deficiência.”

Luísa é enfermeira e tem dois filhos com autismo: o mais velho tem 16 anos, o mais novo 14 anos. O primeiro filho tinha dois anos quando confirmaram o diagnóstico, o segundo tinha quatro. Luísa vive sozinha com os rapazes e conta com a ajuda diária dos pais, que tratam dos jovens nas primeiras horas da manhã e os levam à escola. Luísa sai de casa bem cedo, ainda os filhos dormem, para garantir o único sustento da casa. Sente-se dependente dos outros para poder cumprir com as suas obrigações.

“A sociedade não é inclusiva e sinto isso todos os dias em que saio com os meus filhos para o mundo”, comenta. Sente que são o centro das atenções. “Gostava de poder levar os meus filhos a mais locais públicos, sem ter de me preocupar se vou incomodar as outras pessoas. Gostava que a educação deles tivesse especialmente em linha de conta a sua autonomia como pessoas.” Mas não é fácil, nada fácil. “Só por insistência e boa vontade de alguns, consigo ter prioridade no atendimento e nas filas de espera comuns em muitas actividades diárias”, desabafa.

Os filhos de Luísa passaram pelo ensino regular. “Apesar da política actual ser de inclusão, a escola, reflexo da sociedade, está a aprender a incluir com todas as dificuldades e falta de recursos.” A experiência da escola regular não correu totalmente bem. Mesmo assim, Luísa considera que foi uma mais-valia para a vida dos filhos. “E também para todos os outros que tiveram o privilégio de conviver com eles”. Mesmo assim, a suspeita subsiste. “Tenho muitas dúvidas se pessoas com autismo poderiam ter uma integração plena na sociedade, devido às suas características.” E defende que as famílias precisam de mais apoios, subsídios, licenças para acompanhamento, férias especiais de acordo com as pausas escolares, mais respostas de actividades extracurriculares ou de tempos livres adaptadas a crianças com autismo, equiparação da deficiência mental em termos de direitos de prioridade. E campanhas de informação e sensibilização para, sublinha, “desmistificar os tabus existentes”. Em seu entender, a desinformação é uma das maiores barreiras à inclusão. “Todos os dias oiço a propósito dos meus filhos: ?autistas? São aqueles meninos que vivem isolados no mundo deles, não é?’ O que as pessoas em geral desconhecem é que o isolamento deles é uma consequência das dificuldades graves que têm na linguagem e na interacção social.”

Em Portugal, não há estudos epidemiológicos que permitam quantificar a população autista. Estima-se, segundo uma investigação recentemente realizada nos Estados Unidos, que uma pessoa em cada 150 nascimentos tenha PEA. Isabel Cottinelli Telmo, presidente da APPDA e da Federação Portuguesa de Autismo, explica que as maiores dificuldades das pessoas com PEA residem na chamada “tríade do autismo” que se manifesta em três domínios de desenvolvimento. Domínio social com perturbações ao nível da interacção social recíproca. Domínio da linguagem e comunicação na deficiência na comunicação verbal e não verbal. Domínio do pensamento e do comportamento que se reflecte na rigidez do pensamento e do comportamento, atraso intelectual e ausência de jogo simbólico.

“Devido a estas perturbações, as crianças com PEA têm dificuldades em se relacionar-se com os outros e alguns desses problemas resultam em comportamentos agressivos ou auto-agressivos”, adianta. Os pais sofrem com a situação, sentem-se excluídos da sociedade, além de terem grandes dificuldades em educar os filhos. “O diagnóstico deve ser feito o mais precocemente possível pois o atendimento deve também ser o mais cedo possível”, refere. As dificuldades variam com a idade, o grau de perturbação, entre outros factores. “O autismo não tem cura, mas com educação adequada as pessoas com autismo podem ter um grau de autonomia que pode variar conforme as suas características.”

A lei estipula que todas as crianças com autismo devem frequentar o ensino regular. “A inclusão destas crianças no ensino regular é efectuada com o auxílio das chamadas unidades de ensino estruturado, incluídas em várias escolas de ensino regular”, explica Isabel Telmo. Neste momento, há 1080 crianças a frequentar estas unidades em todo o país e os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) dão apoio no terreno. O CRI da APPDA-Lisboa dá apoio a 150 crianças com uma equipa de técnicos especialistas que se deslocam às escolas e fornecem as terapias necessárias. A estruturação do ambiente e o aproveitamento de imagens para estabelecer a comunicação fazem parte do método que é utilizado nessas estruturas.

A Federação Portuguesa de Autismo congrega nove associações de pais, além das que ainda estão num processo de adesão, disseminadas pelo continente e ilhas. “As associações de pais e a Federação fornecem apoio aos pais, ajudam-nos a escolher a forma de melhor atender os seus filhos, dão formação, informação e algumas têm CRI, centros de apoio ocupacional, lares residenciais, escolas de pais (atendimento precoce) e outros serviços. Além disso, promovem investigação, acções de formação para técnicos.” E editam livros e CD sobre autismo.

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Fonte: TAI/Educare PT