Um cego diante da TV, por Jorge de Lima
No dia internacional do tédio, pleno domingão, assento-me diante da máquina de fazer loucos, a televisão, e me deparo com um nada existencial repleto. Pego o controle remoto e começo uma jornada, buscando a alma perdida em qualquer coisa, mas o nada persiste, botão a botão, nada de conteúdo, nada de inteligência, apenas uma onda de risinhos: “Veja isto aqui, olhe aquilo ali.”
Desespero-me. Será possível o impossível? Em 18 canais televisivos, o império do vazio neural é absoluto. Pensar para quê, se nem governo, nem vereadores, nem deputados fazem isso, por que no meio televisivo seria diferente? Mas a busca continua. Insaciável, o desejo demarca sua necessidade. Em que lugar meteram a alma das coisas e pessoas? Acho um programa de calouros, espero ao menos uma alma perdida tentando a fama. Decepciono-me mais uma vez. Ali é o lugar em que ela menos está. Fugiu no meio de receitas de marketing musical, estereótipos pré-fabricados, no meio de receitas de sucesso prontas, todas iguais. Algemaram a alma. Nem mesmo um plimplim motiva o retorno. Já passamos por lá e, naquele vazio, o nada ficou. Desesperei-me ao ver um novo humorista que sabia de tudo, menos fazer rir.
Sinto-me qual Orfeu em sua odisséia, buscando sua felicidade e voltando de mãos vazias. Antigamente podia sentar-me à frente de uma televisão e ter parte do tédio amainado; hoje, lamento. Ficam apenas o desespero e o tédio. O que era uma máquina de entretenimento, cultura, lazer, hoje apenas mantém o espírito vazio. Nada de arte, nada de conteúdo, nada de alma.
Paro e busco novidades. Quem sabe em programas regionais a coisa melhore? Ilusão. Piora muito. Nos chamados “grandes veículos” ao menos ainda existe certo profissionalismo. Restam os comerciais. O que mais um cego pode fazer diante de uma televisão? E um a um vamos reparando a péssima qualidade de produção, especialmente de áudio. O malfeito é a base da publicidade moderna. Trilhas de fundo mal tocadas, mal confeccionadas, estilo teclado ordinário comprado em qualquer camelô. Lembrei-me de quando era criança e nas televisões existiam maestros, orquestras, garotos e garotas-propaganda, que tinham a obrigação de vender produtos com qualidade e acabamento para não denegrir a qualidade do que ofereciam. Isto tudo acabou. Em minha infância, os grandes cantores eram garotos-propaganda.
Mas o nada não pára por aí. Adoro quando aparece uma propaganda na televisão estilo cinema mudo. Sem diálogos, sem fala, sem som. Esqueceram de avisar ao publicitário que hoje 15 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência visual e que, destes, 50% pertencem ao mercado consumidor. Publicitários parecem não se importar em ter 7 milhões de consumidores interessados nos produtos de seus clientes.
“Veja nosso produto. Olhe como é prático. Se quiser comprar, você liga para o telefone que está aí na tela.” Outro dia até me interessei em um grill que anunciaram, mas economizei não comprando porque meu curso de telepatia venceu e não havia como adivinhar o telefone da empresa.
Tudo isso resume o problema contemporâneo que vivemos. Muita aparência, sorrisos, bunda, visual e pouco conteúdo.
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Fonte de informação: Diário da Manhã/Blog da Audiodescrição
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