Crianças negras estão entre as principais vítimas de bullying

Este e outros artigos estão na edição 43 do Boletim do Observatório da Educação.
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O preconceito e a discriminação muitas vezes resultam em situações em que pessoas são humilhadas, agredidas e acusadas injustamente simplesmente pelo fato de fazerem parte de algum grupo social específico. A afirmação é de uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe) que publicou em junho, em parceria com o Inep, um estudo sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar (acesse aqui). De acordo com a pesquisa, as práticas discriminatórias têm como principais vítimas os alunos, especialmente negros, pobres e homossexuais, com médias de 19%, 18% e 17% respectivamente para o índice percentual de conhecimento de situações de bullying nas escolas. Sobre o tema, o Observatório da Educação entrevistou a professora Marilene Leal Paré, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela pesquisa, dentre outras temáticas, o racismo em sala de aula.
Observatório da Educação – Pesquisa da Fipe/Inep apontou a criança negra como principal vítima do bullying. O que aponta sua pesquisa? Como a violência contra a criança negra aparece no cotidiano escolar?
Marilene Leal Paré – Minha pesquisa de mestrado foi feita em três escolas públicas, uma federal e duas estaduais. Fiz entrevistas com alunos negros dessas escolas, com metodologia fenomenológica. Detectei algumas essências dessas entrevistas. A primeira, e que aparecia em 100% das entrevistas, era a questão da discriminação racial na escola. Ela acontece das mais diferentes formas, como a verbal, com apelidos como “macaco”, que vem de muito tempo, mas continua sendo utilizado, tanto por colegas quanto por professores. A pergunta era como a pessoa se sente como aluno negro na escola, ou seja, o sentimento ligado à relação humana na escola, com colegas e professores.
OE – A aplicação da Lei 10.639 teve algum impacto? Está acompanhando a aplicação da lei no RS?
Marilene – No semestre passado, a Faculdade de Educação da UFRGS me pediu para criar a disciplina questões etnicorraciais na educação – sociologia e história, para a pedagogia à distância, vinculada a quatro regiões da grande Porto Alegre, para professores de séries iniciais que não têm a graduação. A disciplina teve enfoque no afrodescendente e no indígena. Trazíamos a abordagem da lei, de como ela estava sendo trabalhada por esses professores. O número era muito pequeno de professores que trabalhavam algo relacionado a essa questão. Algumas poucas escolas tinham algo no currículo, mas a maioria não tinha nada, nem sabia de nada. Isso porque não há formação. As universidades não dão essa formação para os professores. É preciso ter muitos cursos de extensão, de formação, porque os professores devem voltar para a universidade para estudar esse conteúdo ligado à lei, ou seja, a história da África, do afro-brasileiro, da arte, da literatura, contos negros, fábulas africanas, que professores desconhecem. Agora já existe uma bibliografia grande, mas as escolas em geral não trabalham isso.
Tivemos alguns impasses na disciplina. Vários professores se recusaram a fazer a entrevista com seu aluno negro, pois achavam que isso era racismo ao contrário. Tivemos impasse grande com grupos de professores que se negavam a fazer trabalhos, em função justamente desse preconceito incrustado que existe e que se utiliza de uma série de mecanismos para não fazer. Na minha região, de origem alemã e italiana, não tem negro. Mas por não ter a pessoa não vai estudar? Mais de 50% da população brasileira é afrodescendente, e não vai estudar isso?
OE – Em relação à formação inicial nas faculdades houve alguma modificação?
Marilene – Não tem nada. São raras as que têm. Temos uma universidade privada, a Faculdade Porto-Alegrense, que tem um curso de história de extrema qualidade com relação à questão africana e à da afrodescendência. O grupo das ciências sociais, no geral, são os que pesquisam mais, e em algumas disciplinas até trabalham com os alunos. Mas não é instituído, não está no currículo. Depende do professor.
OE – Quanto ao plano de implementação da lei 10.639. Há algum trabalho relacionado ao plano no RS?
Marilene – Tem havido encontros, fóruns, ligados ao plano. Há projeto de implementação, mas há essas barreiras que te disse. Na hora de pôr em ação, o pessoal que está lá e discute nos fóruns é quem está, há muitos anos, trabalhando com a questão. Mas quando chega na escola há alguns impedimentos das pessoas que fazem a educação. Tem muito trabalho pela frente, embora estejamos trabalhando no movimento negro há muitos anos. Ainda há muito a ser feito, principalmente a relação humana, o aceitar o diferente, o outro. Isso não é tão fácil de ser modificado. Com a lei, pelo menos ficou formalizado, pelo menos temos uma lei para nos apoiar. Mas que seja efetivada, é uma política pública que nos favorece bastante.
Contatos: observatorio@acaoeducativa.org / (11) 3151-2333 ramais 170 e 175
Gostaria de informações sobre o seguinte assunto: inclusão de crianças negras com sindrome de down.
Grato,
Rubens Almeida dos Santos
Prezado Rubens
Não tenho conhecimento de nenhum cruzamento envolvendo estas duas variáveis. Pesquisas recentes abordaram os segmentos em separado. Fique atento na Inclusive que, se algo aparecer nesse sentido, certamente nós divulgaremos.
Um abraço
Lucio Carvalho
Equipe Inclusive
Só refazendo a pergunta, gostaria de saber mais sobre o acesso de crianças negras com sindrome de down a educação pública.
Prezado Rubens
A discriminação por racismo no Brasil é crime e o direito à educação independe de raça ou deficiência. Qualqier obstrução nesse sentido pode ser questionada legalmente.
Um abraço
Lucio Carvalho
Equipe Inclusive