Várias mãos seguram nas barras em cela superlotada.

Por Marcos Rolim *

Minha primeira visita e meu primeiro pronunciamento sobre as condições do Presídio Central de Porto Alegre ocorreram a exatos 22 anos.Na época, ele tinha cerca de dois mil presos e a situação já era horrorosa. Depois disso, foram dezenas de inspeções, denúncias, debates, textos, propostas e relatórios, o que me valeu entre alguns segmentos o epíteto de “defensor de bandidos”. A incompreensão generalizada sobre as prisões parte da ideia de que condenados devem sofrer, porque praticaram crimes graves e enlutaram famílias.

Os que pensam assim terão uma surpresa se consultarem o InfoPen no site do Ministério da Justiça. Os dados consolidados em dezembro de 2011 mostram que dos 30 mil presos no RS, mil deles cumprem pena por terem matado alguém (homicídios e latrocínios), ou seja: apenas 3,3% do total da massa carcerária, praticamente o mesmo número dos condenados por receptação. Os presos por estupro são 244, o que, somado aos 191 que cumprem pena por atentado violento ao pudor, perfaz 435 presos, ou 6,8% do total dos encarcerados no RS.

No Brasil, a proporção de presos por crimes sexuais é ainda menor, atingindo 3,7% dos mais de 500 mil detentos. No RS, não há presos por corrupção passiva, nem por tortura, nem pela Lei Maria da Penha, uma façanha que não deve servir de exemplo a toda Terra e que diz mais sobre a natureza da persecução criminal que temos do que seus operadores gostariam de saber. Para que não restem dúvidas, bastaria lembrar que o RS possui mais presos por furto simples do que por estupro e a incrível marca de 9.578 presos por tráfico de drogas, o que significa quase 32% do total de encarcerados (quem encontrar entre estes “traficantes” alguém que seja dono do negócio, responsável pelo refino da droga ou pela lavagem de dinheiro em bancos, ganha um ingresso para o show da Madonna).

O enfrentamento à crise prisional brasileira exige que se inverta a demanda de encarceramento em massa, com a mudança da legislação penal para que as prisões sejam reservadas aos que praticaram crimes especialmente graves (crimes com violência real e delitos de corrupção, por exemplo).

O desafio aqui é o de convencer a Presidenta Dilma (que demitiu Pedro Abramovay da Secretaria antidrogas por ter expressado a opinião de que pequenos traficantes não deveriam ser presos) e as lideranças do Congresso de que é preciso prender menos e melhor, responsabilizando a maioria dos delitos com penas alternativas e socialmente úteis. O Poder Judiciário e o Ministério Público poderiam ajudar, especialmente se houvesse empenho para que as prisões preventivas fossem, de fato, a exceção prevista pelo Código de Processo Penal. Hoje, do total dos presos brasileiros, 33% estão em prisão cautelar, o que demonstra que a medida se banalizou.

A crise prisional brasileira tem sido construída meticulosamente pelo descompromisso político e pela incompetência de gestão, ambos sustentados pela ignorância pública e pela demagogia histórica. A boa notícia é que, talvez, estejamos assistindo à emergência de uma nova sensibilidade sobre o tema. Tomara.

* Jornalista

Fonte: O autor