O martelo da justiça sobre um livro

Por Carlos A. Lungarzo
no Consciencia.net

Eu tinha começado a escrever uma matéria sobre o mais recente caso de linchamento mediático/judicial em São Paulo, quando li o artigo de Celso Lungaretti sobre o assunto e entendi que ele dizia tudo o que eu pensava sobre os fatos que terminaram no homicídio. Entretanto, sendo parte da comunidade internacional de direitos humanos, não posso furtar-me de dar minha opinião no relativo ao processo mesmo de julgamento, ou seja, um circo romano que aplica o direito penal do inimigo e serve à faxina racial e social que se faz desde há décadas no Estado de São Paulo e em outros lugares.

O Direito Penal do Inimigo

Poucos magistrados reconhecem que o judiciário é uma instituição vingativa destinada a saciar as vítimas e seus parentes e atrair holofotes sobre seus executores. O que a maioria diria é que, desde o Iluminismo, o sentido da justiça é recuperar o infrator e proteger a sociedade, mas isto é verdade, no máximo, num pequeno grupo de países que você conta com os dedos da mão. Certamente, o Brasil não está entre eles. Aliás, está no lado oposto, junto com a Argentina, o Irão, a China e alguns países africanos.

É claro que se deve coibir qualquer forma de violência, contra quem quer que seja e especialmente contra mulheres, crianças e outros vulneráveis, mas também é necessário coibir o linchamento. Como já disse em diversos artigos, até os multigenocidas nazistas mereciam um julgamento justo e não os linchamentos de Nuremberg.

O que estou denunciando aqui é o método usado para “fazer justiça” com os marginalizados que são alvo da faxina étnica do estado, para os quais, nem os próprios excessos da polícia (denunciados até pela tradicional Rede Globo no caso Lindemberg), nem a existência de distúrbios mentais servem como atenuante. De fato, nada serve de atenuante, porque estas pessoas (pobres, não brancas, sem status social, doentes, não instruídas, sem identidade religiosa definida) não devem ser julgadas: devem ser linchadas. O invento não é, como se pensa, nazista; já o método se aplicava nas colônias de Espanha e Portugal desde há muitos séculos. Este linchamento jurídico tem vários componentes:

Um clima de indignação, fúria e violência preparado pelo MP e os juízes, e deflagrado pela mídia sensacionalista, que nos países subdesenvolvidos é a maioria.

Uma equipe de leigos (os jurados) que nunca ouviu falar de um objeto chamado “código penal”, que eventualmente lê trechos da Bíblia, e que se nutre de “informação” nos programas policiais da TV. Todavia, eles serão muito úteis para aplicar o Direito Penal do Inimigo.

Doublés de operadores jurídicos que enriquecerão seu curriculum com esta parte “limpa” da faxina social (a parte “suja” fica para policiais e parapoliciais, que têm status menor na hierarquia inquisitorial).

Um cenário de humilhação, rico em símbolos masoquistas, rostos austeros, falas sem sentido, sentenças fabricadas.

Em realidade, o Direito Penal do Inimigo (DPI) é tão velho como a sociedade maniqueísta, e teve suas primeiras aplicações na vingança social. Mas os que o usaram com mais frequência foram os militares.  O DPI é a falta de direito: é o processo pelo qual, aquele considerado inimigo é submetido ao castigo que seu algoz deseja, sem que leis, códigos, juristas ou quaisquer princípios possam impedi-lo ou amenizá-lo.

Quando Júlio César exterminou quase totalmente (deixando apenas 20 sobreviventes) o povo dos Nérvios, uma tribo da nação gaulesa localizada na atual Bélgica, escreveu em seu livro de memórias Commentari De Bello Gallico:

“Para os vencidos nada é seguro, e para os vencedores nada está impedido”.

Mas, nos tempos modernos, infetados de marxistas, anarquistas, secularistas, pacifistas, ecologistas e odiosos defensores dos direitos humanos, a brutal versão dos romanos ou dos cavalheiros cristãos da Idade Média é chocante demais. Ela pode ser proclamada abertamente, como fazem os americanos com os prisioneiros de Guantánamo, quando as vítimas pertencem a povos coloniais subjugados, mas é necessário disfarça-la com divagações filosóficas, que justamente foram inventadas para esse tipo de mascaramento. Assim nasceu a versão oficial do Direito Penal do Inimigo.

Este direito foi sistematizado por um jurista alemão, pró-americano e pós-nazista, Günther Jacobs (veja a monografia de Thiago Fabre de Carvalho), e sua aplicação concreta requer vários passos:

Alguém define como inimigo uma pessoa ou todo um grupo social (etnia, grupo religioso, nacionalidade, grupo ideológico, grupo de orientação sexual, etc.). Aquele que decide quem é o inimigo é um representante da classe dominante: clérigo, magistrado, policial, militar ou político.

O inimigo é tornado réu, com uma acusação qualquer que dispensa prova. Os islâmicos sepultados em Guantánamo foram acusados apenas de “inimigos do povo americano”.

Dispor de um advogado, de testemunhas ou de provas fica ao critério de juiz, bem como a duração da punição ou a suspensão indefinida da pronúncia de condenação. As condições de vida dos prisioneiros ficam a total arbítrio dos juízes e seus patrões. Não existem garantias para suas vidas.

A condenação de um inimigo não precisa de lei nenhuma, nem mesmo de uma lei não escrita do direito natural. A explicação dos defensores do DPI é arrepiante: ao se tornar não apenas um delinquente, mas um inimigo, ou réu se exclui da sociedade. Então, não deve esperar que leis, jurisprudência, doutrinas, direitos humanos ou convenções internacionais o protejam. Ele deixou de ser humano, segundo a brutal expressão dos criadores da teoria.

O inimigo pode ser importante, como foi Cesare Battisti. Nesse caso, o aparato usa toda sua munição, gasta o dinheiro necessário, dá ordens estritas e seus alcaguetes, distorce os fatos, falsifica documentos, contrata capangas como Gaetano Saya para sequestrar sua presa, compra comunicadores, políticos e outros funcionários, investe em tudo e com tudo.

Mas, o inimigo pode ser apenas casual, como um menino pobre, nordestino, não branco, levado ao crime por causa das drogas cujos traficantes são protegidos pela polícia com dinheiro lavado por bancos que operam no Brasil. Neste inimigo não pode investir-se muito, porque ele é apenas um monte de células dispersas, uma das muitas vítimas no processo de faxina social, como foram os 111 detentos de Carandiru, como os jovens assassinados pelo promotor psicopata da praia de Bertioga, como os sem teto de praça de Sé, como os 6000 habitantes de Pinheirinho, e outras centenas que preencheram os jornais nas últimas décadas.

De todos estes, alguns foram autores de crimes; outros, a maioria, não cometeu delito nenhum. Contudo, culpáveis ou inocentes servem igualmente para a faxina social e a vingança das elites alienadas: eles são alvo do ódio racista, classista, regionalista, religioso, às vezes, ideológico.

Como faz notar Lungaretti, a justiça paulista (que ele não chama com este nome, mas é a típica justiça penal do inimigo) não reconheceu a Lindemberg nenhum dos atenuantes típicos de uma justiça minimamente correta.

Não importou que ele tivesse distúrbios mentais e então, não imputável, porque os juízes aderem à psiquiatria tomista, do século 13, que se baseia na maldade essencial do infrator e “ultrapassa” conceitos profanos como psicose, delírio, surto, etc.

Não importou que a polícia tivesse provocado a catástrofe aplicando violência desmedida, após criar uma situação de tensão e desespero com um “suspense” de quatro dias.

Não importou que, mesmo provado o ataque à sua namorada, inexistiram provas de ter ferido um policial. O tira ferido, quem sabe por quem  (se é que realmente existiu), também é colocado em sua conta.

Os magistrados, envaidecidos por serem distinguidos como meritíssimos e excelências e não apenas pessoas, orgulhosos de suas togas que mostram com brio sua identidade com a Idade Média Patrística (e próximos a ser iniciados, com algum esforço, no medievalismo feudal), cevados por seu poder para pisar nos caídos, não aceitam nenhuma “frescura” e aplica a vingança com sua verdadeira força:

A lei impede que Lindemberg cumpra mais de 30 anos, mas talvez nem isso aconteça, porque sua vida poderá terminar antes, como acontece com a maioria dos detentos pobres. Mas, mesmo assim, ele é condenado a 98 anos, como se a mágica de um número tornasse mais pesado o sofrimento do réu e, portanto, o prazer dos algozes.

O Bingo Jurídico

Hoje é raro encontrar um jurista sério (disse jurista, não magistrado), que não considere aberrante o julgamento com júri popular em qualquer país do mundo, embora os operadores do direito, cujo saber está ancorado na eternidade e não precisa dessas “modernidades”, nem tenham tomado conhecimento dessas críticas.

Esta instituição é herdeira do direito tribal germânico, que entendia o crime não como uma ruptura do equilíbrio e da harmonia social, mas como uma ofensa contra os líderes ou contra as castas mais altas do clã. Portanto, os que julgavam eram representantes (na época eram representantes diretos, e não apenas manipulados) dos altos estratos tribais que investigavam e aplicavam a pena como queriam.

O nome dado a estes tribunais em algumas regiões germânicas como a Westphalia no século XI e XII é expoente claríssimo de sua essência: Vehmgericht, holy Vehme, ou seja Tribunal de Vigilância ou Sagrada Vigilância, uma expressão que exalta o caráter religioso da punição que coincide com a assim chamado Santo Ofício. O nome dos juris (Freischöffen = juízes livres) se refere a que os julgadores eram senhores autônomos, livres, que não prestavam contas a ninguém. Não se preocupem, o mundo não mudou tanto: isso é o que hoje os togados chamam “independência do poder judiciário”.

Um caso interessante, que mostra como o progresso do direito (na contramão do rápido crescimento tecnológico e científico) tem sido cauteloso é que nossos atuais parapoliciais já existiam naquela época. A Corte de Vigilância era também chamada Corte Secreta (Heimliches Gericht), pois tomava suas decisões sigilosamente (o famoso “segredo de justiça” que o presidente de nosso Pretório Excelso quer estender a todos os julgamentos dos membros das elites, como os políticos e dignitários), mas algumas coisas eram piores que hoje, embora quem conhece a justiça paulista pode pensar que nem tanto. Mas é verdade, não apenas o processo era sigiloso, como também a sentença e até a execução e o destino do cadáver eram. Este não era entregue à família, mas pendurado em árvores da comarca para que o terror se adicionasse à perda, tornando mais implacável o castigo.

Nos EEUU, o júri, cujos princípios foram importados da Inglaterra pré-democrática, se fortaleceu com a influência local dos vertentes: o “julgamento” religioso dos puritanos, como no caso de Salem, e a execução sumária proposta por Charles Lynch e seus comparsas no século XVIII na Virgínia.

Expandido pela Europa medieval, o júri não pôde ser totalmente desterrado pelo grande interesse da magistratura, que achava mais fácil manipular um grupo de leigos, frustrados por perder tempo de seus negócios, e frequentemente subornados, do que assumirem, eles próprios, o peso das sentenças que, como se sabe, na grande maioria dos casos, são injustas. Mas as sucessivas reformas o foram amaciando.

Hoje em dia, ele não existe nos países mais avançados, onde estão substituídos por um colegiado de magistrados técnicos, e não se aplica nos tribunais internacionais onde se utiliza o direito humanitário. Em alguns lugares, o júri popular ficou reduzido a um grupo consultivo, com poderes muito limitados e controlados por vários juízes profissionais, como no caso do direito escocês, e nas diversas cortes de Assize usadas na Europa Continental.

Nos EEUU, cuja justiça se caracteriza pela iniquidade e a prioridade dos interesses econômicos e de status de juízes, promotores e incluso dos advogados de defesa, o júri mantém seu caráter bárbaro e linchador, uma espécie de jogo de azar onde cidadãos recrutados à força apostam no que acham mais conveniente para eles. Mas, pelo menos, em mais de 60% dos estados americanos, os júris devem ser grandes (12 ou mais participantes) e o resultado de “culpável” só vale por unanimidade.

No Brasil, a situação é a pior de todas. Em primeiro lugar, a tradição escravocrata do país e sua estratificação social exacerbada mostra ao jurado um ser indefenso acusado de crimes que ele não quer nem saber. É um ser inferior, quase sempre negro, e sempre pobre, que só incomoda sua vida. Eu lembro ainda um caso de 1977, quando um conhecido me contou que tinha sido eleito para um júri e precisou dar o voto de desempate no conselho de sentença formado para um homem acusado de homicídio qualificado. Ele não soube como decidir e jogou no cara ou coroa o destino do réu. Saiu “culpado” e o réu pegou 30 anos.

Mesmo sem a tradição linchadora de todas as sociedades escravocratas, o júri no Brasil tem grandes aberrações. Os membros são apenas sete, e qualquer sentença ganha por maioria. Basta que quatro achem culpado um inocente, para que este seja afundado na masmorra da qual, se sair, só emergirá em frangalhos e muito mais comprometido com a delinquência do que quando entrou.

Nas comarcas de São Paulo, onde a arbitrariedade dos juízes togados é rompante, pode parecer exagerado levantar objeções contra os juris populares. Com efeito, muitas pessoas acham ingênua a idéia de eliminar o júri. Mesmo aceitando que os júris são manipulados e podem ser corrompidos, pensam que é melhor o julgamento de leigos que podem estar manipulados ou não, do que de juízes profissionais que aparecem, vez por outra, envoltos nos maiores escândalos, ao ponto de lutar bravamente para enfraquecer o Conselho Nacional de Justiça. Para que substituir corruptos ocasionais por permanentes?

Não tenho posição sobre este ponto. Talvez essa objeção seja correta. Não tenho a petulância de propor soluções; apenas denuncio aberrações.

O Circo e o Auto de Fé

Salvo em alguns poucos países, os juízes não são eleitos pelo povo. Para os cargos iniciais, o candidato deve passar num concurso. Como as vagas são muitas, nem todas podem ser cobertas por amigos e de vez em quando alguma mentalidade progressista passa a vestir uma toga.

Mas os concursos, igual aos vestibulares de faculdades, têm “dicas” que só sabem ensinar os caríssimos cursinhos vedados aos pobres, que conseguem sucesso só em caso de excepcional inteligência e dedicação. Aliás, nem todas as fases do concurso são anônimas. Os julgadores acabam descobrindo se o candidato é ateu, esquerdista, homossexual, pobre ou, negro!

Nos tribunais superiores, a escolha do candidato é corporativa, e no STF é apenas uma negociação entre o Senado e o Presidente, se não houver veto de ruralistas, empresários, militares e, sobretudo, da Igreja. A Cúria, e até o Opus Dei, já deram palpites em alguns casos.

Desesperados pela tirania das togas, a Revolução Francesa tentou dissolver o judiciário em 1798, e começou proibindo aos juízes interpretar a sentenças.  Mas o golpe Napoleônico restaurou o caráter confessional (religioso) do Estado e devolveu todo o poder aos juízes.

Na República de Weimar era impossível destituir os juízes que tinham todo o poder, mas as forças democráticas tentaram reduzir seu poder e denunciá-los permanentemente aos setores populares. Quando Hitler assumiu o poder, o judiciário foi o único que não teve nenhum setor de oposição e, aliás, foi o único poder que os nazistas pareciam temer, ao ponto de não fazer a típica duplicação que se fez com a polícia e com a Wehrmacht. Hitler enalteceu os juízes, multiplicou seus poderes e facilitou sua sangrenta revanche contra os principais ativistas da república que foram condenados a morte.

Este breve panorama permite entender as aberrações judiciais. O relator do caso Battisti inventou dados inexistentes, colocou “provas” contraditórias num mesmo documento, acusou o chefe de estado de condutas ilegais. Ele, e outro seu colega, lançaram provocações contra ministros, políticos, senadores e outros membros progressistas do estado.

Mas o caso Lindemberg evidenciou o desprezo pelo réu, ao confiar um grave e confuso caso de homicídios à doublés de magistrados e MPs, que num país sério não seriam contratados nem para aplicar multas de trânsito. Colocar pessoas deste nível nesse caso pode ser traduzida assim:

“Fazemos o que queremos e não estamos nem aí para a verdade. Nem para o rigor jurídico, nem para os direitos humanos, nem para igualdade dos julgados.”

Quem duvida, analise o teor “jurídico” de parte da sentença:

[A juíza] disse que o réu agiu com frieza e de forma premeditada, “com orgulho e egoísmo”.  ”Lindemberg teve uma bárbara e cruel intenção criminosa“, alegou. “O réu agiu com frieza, premeditadamente, em razão de orgulho e egoísmo, [e por considerar que] Eloá não poderia terminar o relacionamento amoroso.” (Tomado de UOL; grifos meus).

Como nos saudosos tempos de Torquemada e Emerych, os magistrados analisam intenções, leem as consciências, julgam a partir de telepatia, abominam dos critérios objetivos, inventados por esquerdistas, ateus e iluministas. Como sabem todas estas coisas, como sua capacidade psicológica é tão excelente? Talvez procurem inspiração nos totens religiosos que assombram as salas dos tribunais de um país considerado (risivelmente) laico.

Crimes contra mulheres, crianças e outros grupos vulneráveis produzem uma grande repulsa. Mas, eles são dissimulados e até premiados em nome de “honra”, quando membros das elites assassinam suas esposas ou namorados por razões emocionais, seja abandono, ciúmes ou qualquer outro sentimento doentio. Com efeito, além de racista e classista, a justiça em nossos países é falocrática.

Para ilustrar este classismo, lembremos um caso algo mais iníquo que as centenas de situações similares que acontecem no estado. Em abril de 2004, Maria Aparecida, uma jovem favelada, desempregada, com grave doença mental, pegou um xampu de uma prateleira de um supermercado, e foi entregue á PM de São Paulo por seu dono. Após da tortura, foi levada ao cadeião, onde sua família só soube de sua prisão através de outros detentos. Por causa de uma tortura com mistura de gás e água perdeu um olho, mas ainda assim o Tribunal de São Paulo não lhe deu habeas corpus, por causa de sua “periculosidade”. Só após 3 anos conseguiu liberdade condicional.

A punição de Maria Aparecida foi uma brincadeira, que apenas custou um olho, dores atrozes e poucos anos de cadeia. Mas, os juízes são humanos e solidários: e, como ela não fez nada, teve uma pena muito menor que a do jovem que matou sua ex-namorada. Foi apenas para que ela tome cuidado no futuro.

Finalmente, talvez o mais importante, é o absurdo arroubo de divindade que se atribuem os inquisidores. Eles não podem ser objetados, criticados, contraditados, porque tudo isso se considera “desacato”, um grave pecado na Europa de 1300 e no Brasil de 2012.

A juíza do caso Lindemberg reagiu contra o senso do humor e a inteligência da advogada de defesa, quando esta lhe aconselhou voltar a estudar, talvez esperançosa de que poderia aproveitar melhor a segunda oportunidade. A juíza não gostou do conselho e pediu sua punição ao MP, no meio às bajulações dos presentes, que, desde há meses, têm tornado a advogada um alvo potencial de linchamento, e talvez não apenas judicial.

Esse foi um ato típico do DPI. É verdade que é aplicado por muitos juízes, mas isso apenas prova que o Direito Penal do Inimigo é o direito comum aplicado aos marginalizados.

Devemos admitir que não foi oportuno questionar o saber da juíza (caso ele exista), porque não era isso o que estava em jogo. O mais erudito magistrado do DPI teria atuado da mesma maneira. O assunto não é o “saber” sobre o que diz a lei ou o direito natural. O assunto é acumular todas as penas possíveis, para fazer da sentença a mais dura e humilhante.

Condenar este rapaz satisfazia o sadismo dos algozes, assim como o delegado se deleita esticando os testículos de um prisioneiro, ou os jagunços de Pinheirinho se divertiram matando os animais de estimação dos expulsos. Também demostra a força do DPI. O pedido de punição para a advogada é uma advertência.

“O direito penal do inimigo não brinca. Aquele que pedir justiça verdadeira, também será considerado inimigo!”

Também, a condenação serviu para dois objetivos primordiais:

Fornecer abundante material à mídia para acrescentar mais dados à campanha de ódio, que é a condição de consenso para a faxina étnico-social que faz o governo do estado.

Acumular linhas nos curricula de magistrados e membros do MP, assim como os mortos pela polícia acumulam linhas nos seus.

Há alguns anos, a Anistia Internacional esteve no Rio de Janeiro e perguntou ao então governador por que os homicídios produzidos pela policia eram cada vez maiores. O político, mistura de pastor, vigarista e criminoso de colarinho branco respondeu: “Porque a policia está melhor treinada e equipada. Policia boa é a que mata mais”.

Da mesma maneira, o curriculum de um MP e de alguns juízes da vara do crime se faz com base ao número de pessoas que mandaram para a cadeira, ou que fizeram matar com a polícia. Este tipo de correlação entre “excelência profissional” e número de mortos, não precisa comentário. Mas, dá uma idéia do grau de civilização da sociedade.

Estes fatos devem fazer refletir sobre o verdadeiro significado dos movimentos europeus que nos anos 70 e 80 reagiram contra as magistraturas de seus países. Não tenho a mínima dúvida de que toda violência é negativa para a espécie humana e que deve ser evitada. Entretanto, me pergunto:

Contra uma incansável perseguição, acima de todo o direito, contra pessoas que não tiveram qualquer oportunidade, contra candidatos a tortura e linchamento, o que se espera que as pessoas façam?

A Anistia Internacional foi criticada, nos anos 70, por exigir tratamento humano para membros da Baader-Meinhof. Falou-se que protegíamos terroristas que tinham matado juízes. Eu apenas me pergunto: fora do suicídio, ou de deixar-se matar na tortura, quais eram as alternativas destes jovens?

Devemos estar sempre atentos e fazer ouvir nossa protesta contra o linchamento legalizado antes que seja tarde!

Fonte: Consciencia.net