Contas e desenho em uma lousa

Por Bruna Gonçalves

Mais do que um modelo. Um exemplo de superação dos limites. É assim que os professores com deficiência da rede municipal do Grande ABC dão sua contribuição para os alunos. Eles são minorias nas escolas, mesmo assegurados pela lei de cotas. A equipe do Diário conversou com alguns profissionais que relataram como é a relação com os alunos, além dos estudantes que disseram como os ajudam em sala.

Fabiana Torres Lorenzeti, 26 anos, de Mauá, é uma delas. Ela nasceu sem o antebraço direito e há oito anos leciona em escolas de ensino regular. Atualmente, trabalha na Emeief (Escola Municipal do Ensino Infantil e Ensino Fundamental) Paranabiacaba dando aula para 3º ano.

“O meu relacionamento é muito bom com os alunos. No início observam, perguntam, mas logo se acostumam. Acredito que contribuo para que todos valorizem a capacidade de cada um e convivam com a diversidade.”

Para aluna Yasmin Alcântara, 9, ela é um exemplo. “Fiquei surpresa com tudo que ela é capaz, porque nunca tinha tido uma professora com deficiência.”

Para especialistas, o convívio entre professor e aluno é muito importante. “Além de um modelo, eles enxergam a superação e a conquista. Permite que outros profissionais convivam com as diferenças”, explica Rosângela Gavioli Prieto, professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo).

Na classe da professora Ellen da Fonseca Pouseiro Natis, 26, que tem baixa visão – 5% no olho esquerdo e 20% no olho direito – os alunos se dividem nas tarefas. “Cada dia um menino e uma menina são ajudantes. Criamos combinados que todos colaboram”, explica a professora, que faz pós-graduação na USP e nunca desistiu de estudar. “Todo mundo ajuda a professora quando ela precisa. Também fazemos silêncio quando ela pede”, conta Caique Vieira, 6.

Ellen, que dá aula na Emeb (Escola Municipal de Educação Básica) Francisco Beltran, em São Bernardo, conta com uma auxiliar. “Observo mais as questões externas para ver se as crianças se machucam”, explica a estagiária de apoio à inclusão pedagógica Rosângela Martins Senhor, 29. Os pais aprovam a inclusão social.

“Meu filho comenta quanto ajuda a professora e fica superfeliz. Acho importante esse contato”, afirma a dona de casa Alexsandra Souza Avelino.

Nem a baixa visão, de apenas 0,05%, faz com a a professora Dilma Oliveira de Souza, 45, deixe de vir todos os dias de São Vicente, na Baixada Santista, para São Bernardo. Ela trabalha no Complexo Padre Aldemar Moreira, que oferece serviços educacionais para portadores de deficiência. “Sigo uma vida normal. Dou aula de apoio aos alunos como braille e recursos gráficos para que desenvolvam seu potencial”, disse a professora, que deu aula para Ellen e acredita que todos devam buscar seus direitos e passa isso aos alunos.

Em Diadema, Lucidelma do Nascimento, 35, é professora itinerante do EJA (Educação para Jovens e Adultos). “Cada dia vou a uma escola dar suporte para alunos com alguma deficiência. Eles me veem como um exemplo de superação”, explica a professora, que é deficiente física, por conta de uma paralisia que deixou como sequela um desnível na perna, e já sofreu preconceito por não confiarem em sua capacidade.

Educadora lecionou mais de 30 anos

“Vocês são os meus olhos”, era assim que a professora aposentada de Língua Portuguesa Yolanda Ascencio, 75 anos, dizia aos alunos no primeiro dia de aula.

Nascida em São Caetano lecionou por mais de 30 anos, principalmente, em escolas públicas. Aos 7 anos sofreu um glaucoma e perdeu a visão.

Foi enviada ao colégio interno Padre Chico, no Ipiranga, escola com ensino voltado aos deficientes visuais. Em 1960, se formou em Letras pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Ao retornar para São Caetano, aos 24 anos, é que começou a carreira na Educação. “A carreira de professora é a mais importante na minha vida”, afirma Yolanda, que hoje trabalha como assessora cultural da Fundação Pró-Memória, em São Caetano.

Dentro da sala de aula, Yolanda garante que o relacionamento com os alunos sempre foi bom. “Sempre tive uma relação muito próxima, chegava e explicava que era cega. Nunca ninguém me enganou. Eles sempre me acompanhavam de uma sala para outra, levavam o material, faziam a chamada e escreviam na lousa”, conta.

Na hora das provas, contava com a ajuda da mãe Idalina, que morreu em março deste ano. “Minha mãe fazia a fiscalização para nenhum aluno colar. Na hora da correção ela quem lia as provas, mas não era por isso que não seria rigorosa com os erros”, lembra Yolanda, que admite que sempre ajudava os alunos com trabalhos.

Nunca a deficiência de Yolanda foi motivo para desistir de algo. “Acredito que o deficiente tem duas opções: se entrega e vive de piedade ou enfrenta os desafios. Eu tenho muita fé, que é o combustível da minha vida.”

Ela também foi vereadora por dois mandatos, cursou Direito, integrou a Academia de Letras da Grande São Paulo. É escritora é já publicou 30 livros.

Diversidade contribui para o crescimento da sociedade

Especialistas acreditam que a relação do professor com deficiência e o aluno é muito importante para o crescimento da sociedade. “Trabalhar com a diversidade é um aprendizado. As crianças que aprendem a lidar com isso acabam aceitando as suas próprias dificuldades com mais tranquilidade. De certa forma todos temos nossas dificuldades”, explica a presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonatto.

A professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Rosângela Gavioli Prieto observa que as pessoas com deficiência têm lutado para assegurar campos de atuação profissional.

“Com a lei de cotas, o deficiente encontra o espaço assegurado como direito. Ainda encontramos uma sociedade preconceituosa, que poderia rejeitar esse profissional por falta de conhecimento da potencialidade das pessoas”, afirma Rosângela, que também é chefe do departamento de administração escolar e economia da faculdade.

A Lei Federal 8.213, de 24 de julho de 1991, assegura que as empresas com 100 ou mais empregados é obrigada a assegurar de 2% a 5% dos seus cargos para beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência.

Mesmo com a lei, a educadora da USP acredita que há poucos profissionais, porque historicamente se desacreditou nessas pessoas. “Muitos não concluíram o ensino. Não tiveram uma boa formação que lhe permita acesso ao mercado.”

Para ela, o preconceito existe pela falta de informação. “Boa parte do preconceito é por ignorância em relação ao outro. Essas pessoas são capacitadas para realizar as mais diversas atividades”, ressalta Rosângela.

CAPACITAÇÃO
Para Rosângela, os profissionais precisam mostrar que são capacitados. “A escola tem de atuar em conjunto, fazendo reuniões com professores, pais dos alunos para que esse professor se coloque, fale da sua história, do aprendizado que lhe permite ser um educador.”

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Fonte: Diário do Grande ABC